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Argentina: Milei inicia mandato em descompasso com vice – 02/12/2023 – Sylvia Colombo

A tradição remonta a séculos passados e inclui crises políticas mais recentes. Mas os casos são tantos que a colunista será obrigada a ser concisa. O importante é que, se você crê que as fricções entre presidente e vice na Argentina são apenas anedóticas, como as de Alberto Fernández e Cristina Kirchner —que pareciam saídas de “A Gata e o Rato”, a série de 1985—, há casos bem mais graves.

A saber. No século 19, era o vice quem assumia a Presidência até se o presidente só viajasse ao interior. Isso porque havia territórios com indígenas ainda não “submetidos” à nova ordem, e as ameaças de ataques eram reais.

Um dos mais famosos presidentes argentinos e intelectuais de seu tempo, Domingo Faustino Sarmiento (1868-1874) não quis saber da lei. Embora seu vice, Valentín Alsina, insistisse para que as obrigações presidenciais fossem cumpridas em sua ausência, Sarmiento recusava e dizia a ele: “Não se meta em minhas coisas, limite-se a tocar a campainha do Senado” —desde aquela época o vice é também o líder da Casa.

Nos anos 1950, o presidente Arturo Frondizi (1958-1962) e seu vice, Alejandro Gómez, ambos da União Cívica Radical (UCR), começaram a discordar logo de cara.

Frondizi queria abrir a exploração de petróleo a estrangeiros, Gómez queria nacionalizar o recurso. O vice se aproximou das Forças Armadas, mas a ideia de uma conspiração saiu mal, e ele acabou sendo levado a renunciar ao final de 1958. Já Frondizi tampouco terminou seu mandato, derrubado por um golpe militar em 1962.

Talvez o mais grave dos choques de presidente e vice na Argentina tenha sido o de Fernando de la Rúa (1999-2001) e Chacho Álvarez —uma gestão que terminou na maior crise da história recente argentina até hoje.

Na ocasião, a dupla venceu as eleições com uma frente ampla de partidos opositores ao peronismo, a chamada Frepaso (Frente País Solidario), que incluía a UCR. De la Rúa e Chacho tinham muitas diferenças: o primeiro pertencia à ala conservadora do radicalismo, enquanto Álvarez era mais progressista.

Chacho era mais ativo, propôs programas anticorrupção, viajou ao exterior, era mais eloquente e, com isso, chamava mais a atenção dos meios de comunicação, enquanto De La Rúa se mostrava um líder ainda vinculado a velhos políticos.

Chacho começou a criticá-lo abertamente, quase virando um líder da oposição, e revelou o caso dos subornos no Senado pelo qual De La Rúa acabaria sendo julgado depois. Ou seja, a parceria acabou mal, e Chacho renunciou em 2000. Poucos meses depois, viria o “estallido” de 2001.

Quando Cristina Kirchner foi eleita, em 2007, escolheu para seu vice Julio Cobos, da UCR. A avaliação era de que seu antecessor e marido (Néstor Kirchner, que morreria em 2010) havia isolado o peronismo e que era necessário ampliar as suas bases.

Mas tudo terminou de forma trágica quando, numa votação apertada no Senado para passar uma lei que aumentava o imposto de produtos agrícolas, Cobos ficou com o voto de Minerva e acabou desempatando… mas para o lado da oposição. Cristina não o destituiu, mas ficou sem falar com ele até o fim do mandato.

O governo Milei nem começou, mas se sente, nos bastidores, certo descompasso entre ele e sua vice, Victoria Villarruel, que se aliou a ele com uma determinação única, a de lutar pela liberdade dos repressores condenados por sua atuação na ditadura e à reparação aos que foram vítimas do que ela chama de “terrorismo”.

Milei até concorda com sua causa, mas o tema não é, para ele, uma prioridade. Parece que preferirá atuar na economia e usar do pragmatismo de Bullrich na gestão do dia a dia.

Se veremos nessa coalizão um rompimento, é cedo, mas vale observar.


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Fonte: Folha de São Paulo

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