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Argentina: Atos contra ‘lei ônibus’ têm sabor de dèjá vu – 03/02/2024 – Sylvia Colombo

Poucas vezes depois da fatídica crise de 2001, que causou a queda de um presidente —e quando 39 pessoas morreram e centenas ficaram feridas— houve momentos de violência tão contínua, com uma repressão tão desproporcional por parte das forças de segurança governamentais, como se viu ao longo desta semana em Buenos Aires.

Dentro do Congresso, a Câmara de Deputados debatia a “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”. O presidente a nomeou assim, mas a população e os políticos a chamam mesmo de “lei ônibus”, uma vez que seus mais de 600 artigos tocam praticamente todos os setores da vida argentina.

Após uma jornada com ares de maratona e o corte de mais de 200 artigos, a lei recebeu aprovação no fim da tarde de sexta (2), mas ainda terá de continuar a ser debatida artigo por artigo até terça (6), quando se tomará a decisão de enviá-la ou não ao Senado.

Volto à violência.

Desde 2001, houve manifestações de rua expressivas na capital argentina. Na verdade, elas ocorrem quase diariamente e são motivo de grande divisão quando travam o trânsito ao redor do Obelisco, no centro de Buenos Aires.

Enquanto para as organizações sociais esta parece ser a única maneira de protestar contra a inflação, a falta de ajuda suficiente do Estado, o mau estado da saúde, as chamadas manifestações “piqueteras” são o horror da classe média e média alta, que reclamam que elas as impedem de “ir trabalhar”.

Ouso dizer que essa parcela da população é parte importante dos apoiadores da atual ministra de Segurança, Patricia Bullrich, que prometeu que as ruas não seriam mais bloqueadas por “piquetes”, um eixo de sua política e de suas campanhas.

Mas manifestações com repressão brutal, por vários dias, não tínhamos desde o fim de Fernando de la Rúa.

O protesto que vem à memória de modo mais marcante é o de dezembro de 2017, quando os deputados, depois da aprovação do Senado, passaram uma lei proposta pelo governo de Mauricio Macri.

A legislação buscava elevar a idade mínima de aposentadoria de 65 para 67 anos, e ainda criar um imposto para manter o sistema da Previdência.

Houve briga dentro do recinto e enfrentamentos fora dele. A veterana Elisa Carrió acusou o governo de ter contabilizado votos de não deputados, e houve tentativas de agressão dentro do Congresso.

Enquanto isso, do lado de fora, a então ministra de segurança, Patricia Bullrich —a mesma do governo atual—, acionou a polícia e a Gendarmería Nacional, espécie de polícia federal, para avançar contra os manifestantes. Houve enfrentamentos, e não só ficaram feridos os envolvidos no ato como também deputados, jornalistas e civis que nem sequer estavam protestando.

Organizações de direitos humanos tentaram intervir, assim como alguns parlamentares.

Assim como desta vez, o então presidente Macri “desinflou” a lei para que ela passasse no Congresso, e com isso obteve sucesso. As manifestações do lado de fora do edifício, porém, cresceram de tom.

Por duas noites, enfrentaram as forças de segurança manifestantes, deputados, jornalistas. Macri acabou resolvendo a questão com um DNU (Decreto de Necessidade e Urgência) assinado por todos por seus ministros. A isso se seguiu uma greve da Confederação Geral do Trabalho ameaçando o presidente.

A greve durou dois dias. Neles, trabalhadores se juntaram na praça do Congresso e daí avançaram sobre as placas de metal, sendo praticamente cercados pela Gendarmería. O levante foi chamado pelo governo de uma tentativa de golpe de Estado.

Para quem tinha vivido aqueles dias, as últimas madrugadas desta semana tiveram um sabor de dèjá vu.

Uma desinformação generalizada permeia o protesto. Uma melhor comunicação por parte do governo talvez evitasse metade dos problemas. Uma menor voltagem dos enfrentamentos também poderia fazer do debate algo mais civilizado.


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Fonte: Folha de São Paulo

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