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Anos de conflito em Nagorno-Karabakh acabaram em instantes – 28/09/2023 – Mundo

Dezenas de milhares morreram em uma luta que custou as carreiras de dois presidentes —um da Armênia, outro do Azerbaijão—, transformou-se no tormento de uma geração de diplomatas americanos, russos e europeus que trabalharam por planos de paz natimortos e sobreviveu a seis presidentes dos Estados Unidos.

Mas o Estado autodeclarado no enclave montanhoso de Nagorno-Karabakh —reconhecido por nenhum outro país— desapareceu tão rapidamente na semana passada que sua população de origem armênia teve apenas minutos para fazer as malas antes de abandonar suas casas e se juntar a um êxodo impulsionado pelo medo de limpeza étnica por um Azerbaijão triunfante.

Depois de sobreviver a mais de três décadas de guerra intermitente e pressão de grandes potências externas para desistir ou ao menos reduzir suas ambições como país independente, a República de Artsakh (nome do Estado autodeclarado), dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas do Azerbaijão, desmoronou quase da noite para o dia.

Até a semana passada, o território com menos de 150 mil habitantes era uma característica duradoura do cenário político e diplomático da antiga União Soviética. A Rússia, protetora tradicional da Armênia e aliada desde 1992 em uma organização de segurança coletiva liderada por Moscou, enviou pacificadores para a área em 2020 e prometeu manter aberta a única estrada que liga o enclave à Armênia, uma linha vital para a região.

Mas Moscou, distraída por sua guerra na Ucrânia e ansiosa por laços econômicos e políticos mais estreitos com o Azerbaijão e seu aliado Turquia, não interveio este ano quando Baku fechou essa rota, cortando o fornecimento de alimentos, combustível e medicamentos. O Kremlin ordenou que seus pacificadores ficassem de lado durante o ataque relâmpago da semana passada. Quase ninguém previu o rápido colapso.

“Estamos todos em choque. Todos entendem que este é o fim, a destruição completa de Artsakh”, disse Benyamin Poghosyan, ex-chefe da unidade de pesquisa do Ministério da Defesa da Armênia. “A única coisa que realmente importa agora é tirar as pessoas em segurança.”

Nagorno-Karabakh, que declarou independência em 1991, tem sido há mais de três décadas sinônimo de fracasso diplomático —um problema interminável semelhante à disputa entre Israel e Palestina ou Chipre do Norte.

Quase num piscar de olhos, no entanto, Nagorno-Karabakh foi “resolvido” pela força das armas, deixando os armênios étnicos aterrorizados à mercê do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, um líder que há anos alimenta o ódio aos armênios.

Em 2012, Aliyev perdoou, promoveu e saudou como herói um oficial militar azeri que havia sido condenado na Hungria por assassinar um colega armênio em um curso da Otan com um machado. Depois de cumprir seis anos de sua condenação por prisão perpétua na Hungria, o assassino foi enviado de volta para o Azerbaijão, que havia prometido mantê-lo na prisão. Ele foi recebido no aeroporto com flores e libertado.

“Qualquer um que pense que os armênios podem viver sob esse regime é um fantasista”, disse Eric Hacopian, apresentador de um programa semanal na CivilNet, um popular canal armênio.

Relatos não verificados de assassinatos em massa e estupro inundaram as redes sociais e foram trocados por pessoas agora em fuga, alimentando o medo de uma repetição do genocídio armênio de 1915 conduzido pelo Império Otomano.

A autoproclamada Artsakh foi apagada, mas a ideia ainda tem muitos apoiadores.

Edik Aloyan, ex-gerente de vendas em Nagorno-Karabakh, pulou de um caminhão que o levava em segurança assim que chegou à vila armênia de Kornidzor e declarou que sua terra natal perdida “é puramente terra armênia”. Isso, ele insistiu, nunca mudaria, mas “os russos não nos ajudaram. Eles ajudaram os azeris”.

Em Ierevan, capital da Armênia, milhares de manifestantes se reuniram todas as noites desde a semana passada em uma praça central para xingar o primeiro-ministro Nikol Pashinyan por não enviar tropas para defender seus parentes étnicos e gritar “Viva Artsakh”.

Mas os apoiadores do primeiro-ministro descartam os protestos como obra de dois ex-líderes desacreditados que chegaram ao poder apoiando a causa do Estado autoproclamado.

Quando Nagorno-Karabakh passou de uma disputa soviética local para uma questão internacional, era tão remoto e obscuro que “tivemos que procurar em livros antigos para descobrir onde e o que era esse lugar”, lembrou Richard Giragosian, um acadêmico armênio-americano que mora em Ierevan e aconselha o governo armênio.

Ao longo dos anos, planos de paz surgiram e desapareceram. Todos falharam, torpedeados pela intransigência de um lado ou de outro.

As negociações fracassadas realizadas em Key West, na Flórida, em 2001, com os Estados Unidos entre os mediadores, deixaram um gosto amargo, tanto que o presidente George W. Bush disse que nunca mais queria ouvir falar sobre o assunto, segundo Thomas de Waal, autor de “Black Garden”, um livro que relata 35 anos de impasse sobre a região.

Nesta semana, Giragosian, que estava em Washington para se encontrar com autoridades surpreendidas pela derrota de Artsakh, disse que esperava mais resistência. “Do ponto de vista militar, eu achava que eles iriam se refugiar nas colinas”, disse ele sobre os armênios étnicos em Nagorno-Karabakh.

Mas a República de Artsakh ficou, no final, sem apoiadores dispostos a se juntar à luta. Muitos residentes mais jovens haviam partido, deixando uma população predominantemente mais velha para defender sua república não reconhecida. Meses de privação haviam minado a vontade das pessoas de continuar lutando.

Pequenos grupos nacionalistas militantes na Armênia, como o chamado destacamento dos Cruzados, fizeram declarações barulhentas sobre ajudar, mas não forneceram nenhum apoio significativo. O governo armênio de Pashinyan ficou fora da luta.

Menos de duas semanas antes de seu estado entrar em colapso em 20 de setembro, as elites em Stepanakert, a capital da república separatista, estavam envolvidas em uma luta pelo poder local, forçando a saída de seu presidente eleito depois que ele respondeu à tempestade iminente erguendo uma tenda do lado de fora dos prédios do governo e usando-a para realizar um protesto sentado.

Em 9 de setembro, o parlamento local selecionou Samvel Shahramanyan, um antigo oficial de segurança, como presidente.

“Não estou revelando um segredo quando digo que o bloqueio parcial e depois completo da República de Artsakh pelo Azerbaijão criou uma série de problemas para a república”, disse Shahramanyan aos legisladores.

Embora zombasse da Armênia por buscar uma “suposta agenda de paz”, ele reconheceu que as “ideias e expectativas da república em relação ao direito internacional” haviam sido “irrealistas e divorciadas da realidade”, uma aparente referência à sua oposição de longa data a qualquer acordo de paz que não concedesse a Nagorno-Karabakh a condição de Estado completamente separado do Azerbaijão.

À medida que as forças azerbaijanas dominavam as defesas da república em colapso na última quarta-feira, o novo presidente realizou o que foi chamado de “sessão ampliada do Conselho de Segurança” e anunciou que “Artsakh será forçada a tomar medidas apropriadas”.

Shahramanyan não foi visto nem ouvido desde então e, assim como dezenas de outros ex-funcionários, teme-se que tenha sido capturado por tropas azerbaijanas para enfrentar acusações de “traição”.

“É uma verdadeira tragédia como anos de esforços internacionais para encontrar uma solução equitativa para o conflito foram derrubados em 24 horas”, disse de Waal.

Fonte: Folha de São Paulo

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