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Análise: Trump veste manto de mártir em discurso flácido – 19/07/2024 – Mundo

Ao longo desta semana de Convenção Nacional Republicana, Donald Trump comportou-se de forma imperial. Sem proferir uma palavra, apenas com olhares de satisfação a cada discurso, compartilhando versões de sua bandagem na orelha com vários dos presentes.

Foi assim que ele viu antigos desafetos, como Nikki Haley, praticarem genuflexão política ante a aura de favoritismo que só fez crescer com o esfarelamento da candidatura de Joe Biden e o atentado em que milímetros separaram a vida da morte do republicano.

Ao mesmo tempo, foi apresentado como um ser humano sob a coroa, a considerar sua troca de experiências na prática do golfe com a neta um exemplo disso. Considerando seu histórico, dificilmente convencerá algum eleitor-pêndulo, mas isso pode ser irrelevante ao fim.

Em seu primeiro discurso após o incidente, ao aceitar oficialmente a candidatura para tentar voltar à Casa Branca nesta quinta, Trump tentou um malabarismo na noite desta quinta (18).

Algo titubeante em 1h32min de fala, envergou o figurino de mártir político que auferiu no sábado passado (13) na Pensilvânia, mas também vendeu a ideia de pacificação vendida por seus “spin doctors” durante a semana.

Disse que está pronto para ser presidente de todos, não só a metade, dos americanos. Não tem exatamente as credenciais para tanto.

Discorreu sobre temas econômicos em termos genéricos, remetendo à Guerra Fria 2.0 que começou em 2017 contra a China ao falar sobre carros elétricos. Ressuscitou até o “vírus chinês”, acerca da Covid-19. Nada sério ou novo sobre Guerra da Ucrânia, Otan e outros temas espinhosos.

Prometeu defesa antimísseis em todos os EUA e fez questão de relacionar ao delirante “Guerra das Estrelas” de Ronald Reagan. Hoje, não há tecnologia para o “Domo de Ferro” israelense em escala quase continental nas Américas.

Mas fica difícil encaixar o personagem, ao gosto esta fase Império Romano da saga do ex-presidente, reforçada pela escolha de um sucessor presumido no senador J.D. Vance, um convertido ao trumpismo. Um dos poucos momentos politicamente notáveis da noite foi ele dizendo a Vance que ambos estão “nessa para o longo prazo”, uma unção ao herdeiro.

Claro, Trump poderia ter radicalizado ao estilo que lhe fez fama no episódio do Capitólio, ainda que tenha tido seus lampejos ao falar de imigração ilegal. Milwaukee não era lugar para isso. Mas o tom algo comedido, como na homenagem ao apoiador morto no comício do atentado, foi permeado por sinais de adesão ao messianismo amplificado pela bala na orelha.

Isso para não falar no “esquenta” da fala com o músico Kid Rock repetindo o grito de guerra do sábado (“Lute!”). Ou o caricatural Hulk Hogan e o chefão do UFC Dana White tentando imprimir o caráter de luta à disputa eleitoral.

Ao fim, ficamos com Trump falando da experiência de quase morte do sábado: “Vou dizer o que aconteceu”, afirmou, recontando a história de que foi salvo por olhar a um telão com números sobre imigração ilegal. “Eu me senti muito seguro porque eu tinha Deus ao meu lado, eu senti isso.”

“Não era para eu estar aqui nesta noite”, disse Trump. “Eu só estou nessa arena pela graça de Deus Todo-Poderoso”, disse. “Foi um momento providencial”, completou, antes de repetir o “Lute! Lute! Lute!” da fotografia daquele momento.

Para seus críticos, isso encontra eco no discurso feito no rádio por Adolf Hitler após a tentativa de assassinato a bomba contra o líder nazista há 80 anos a serem completados no sábado (20): “Eu considero isso a confirmação da tarefa imposta a mim pela Providência”.

Ao fim, a nota repetitiva, quase chorosa, em oposição ao discurso do vice na véspera, ficou bastante abaixo do usual modo do ex-presidente na maior parte da fala.

Se cometesse uma gafe brava, teria tido uma noite Biden, ainda que tenha melhorado a articulação ao fim, falando de seus temas preferidos, como imigração, ou fazendo tiradas com o canibal cinematográfico Hannibal Lecter. Mas não afetou a mediana.

Após anos de trabalho em favor de fake news, Trump agora acusa o Partido Democrata de ser o único responsável pela polarização e clama por união —zero dúvidas sobre responsabilidades de lado a lado hoje, mas a origem do problema é bem conhecida.

Ante a debacle de Biden que emergiu do desastroso debate do mês passado, de todo modo, pode talvez ser o suficiente em novembro. Sorte de Trump: nem a já convencida plateia foi inflamada por seu discurso.

Fonte: Folha de São Paulo

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