O antecipado ataque israelense ao programa nuclear iraniano nesta sexta (13), com a decapitação do comando da poderosa Guarda Revolucionária no processo, é uma conclusão lógica e perigosa do caminho do governo Binyamin Netanyahu desde que o Hamas abriu as comportas do inferno em 7 de outubro de 2023.
O brutal ataque dos protegidos de Teerã ao Estado judeu gerou aquilo que o premiê israelense chamou de redesenho do Oriente Médio. Como seria óbvio, não necessariamente será uma boa notícia ao fim para Tel Aviv.
A obliteração da Faixa de Gaza e a redução do Hamas a uma força mais guerrilheira do que um proto-Estado foram os efeitos mais visíveis e polêmicos da retaliação de Israel. No contexto regional, o impacto foi mais profundo.
A rápida guerra travada contra o Hezbollah libanês exterminou a capacidade do grupo de ser a primeira linha de defesa de seus patronos em Israel. Por óbvio, os fundamentalistas irão se reagrupar, mas não nesse momento.
O surgimento dos houthis do Iêmens, outros clientes dos aiatolás, como atores no conflito foi outra novidade importante. O poderoso arsenal de drones e mísseis, que tanto deu trabalho para a Marinha dos Estados Unidos no mar Vermelho e adjacências, foi exposto ao mundo, para bem e mal.
Na visão de Netanyahu, o grande jogo do Oriente Médio está num raro momento favorável aos israelenses. Cálculo político comezinho, claro, conta: o premiê estava muito pressionado pela mortandade em Gaza e pela sua base religiosa radical, quase tendo de enfrentar a perda do apoio em sua coalizão nesta semana.
Durante as guerras do 7 de Outubro, Irã e Israel se enfrentaram diretamente pela primeira vez. Em duas ocasiões, no ano passado, trocaram fogo: ataques cirúrgicos israelenses e salvas mais espetaculosas de mísseis de longa distância de Teerã.
Em ambos os casos, a prudência acalmou ânimos, apoiada no caso iraniano da ameaça americana de intervir no conflito. Joe Biden despachou musculatura militar pela região toda vez que Tel Aviv precisou, lembrando a todos do risco de um conflito aberto.
Com o Irã em um momento de fraqueza interna sem precedentes desde a revolução islâmica de 1979, tendo perdido um presidente em 2024 num estranho acidente de helicóptero e vendo protestos contra a repressão e a situação econômica se multiplicar, Netanyahu resolveu dobrar a aposta.
Ele já havia sinalizado isso não só nos ataques ao Irã, mas principalmente no assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, que descansava em Teerã após a posse do novo presidente do país. Isso mostrou o queijo suíço na defesa doméstica dos iranianos e o quão longe os israelenses estavam dispostos a ir.
O ataque agora é uma cartada final num conflito antecipado há anos pelo longevo premiê, que sempre denunciou as intenções do programa nuclear de Teerã. A teocracia persa nunca escondeu que seu plano é destruir Israel, que tem estimadas 90 ogivas nucleares, o que obrigaria o desenvolvimento de capacidade similar.
Ela já existe, e foi a confirmação oficial disso pela mesma ONU espezinhada por Netanyahu como um ente antissemita foi o improvável empurrão retórico que lhe faltava.
Por operação dos EUA, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), órgão das Nações Unidas, enfim admitiu oficialmente nesta quinta (12) que os iranianos estavam em descumprimento de suas obrigações de transparência. O acordo de 2015 que visava coibir o desenvolvimento da bomba morreu quando Trump o abandonou em 2018, mas no papel ainda vigia, com inspeções e afins.
Como o diretor da AIEA, Rafael Grossi, disse à Folha no ano passado, o Irã já havia rompido “todas as linhas vermelhas” rumo à sua ogiva nuclear. O carimbo da ONU dá justificativa moral, ainda que não mandato, para Netanyahu atacar.
O centro da equação, como seria de se esperar, está em Washington. Um aliado do premiê israelense, o presidente Donald Trump fez uma abertura agressiva na situação: reabriu negociações, ao mesmo tempo em que se armou para um eventual ataque com reforço na região.
A previsível debacle das conversas pode até ter sido acertada com Tel Aviv, mas o fato é que a janela estava se fechando para Israel aproveitar a fraqueza do adversário. Restou arriscar tudo. Isso terá o custo de uma dura retaliação e uma bagunça enorme na economia mundial, em especial de Teerã fechar a passagem de petroleiros pelo estreito de Ormuz.
O fracasso de Trump, seja ele um jogo combinado ou não, já se manifestava na evacuação das embaixadas americanas da região nesta semana. Para quem fez campanha prometendo desengajamento da guerra dos outros, o republicano periga muito trazer o conflito no Oriente Médio para sua mesa.
Tudo está em aberto daqui em diante, a começar pela natureza da reação do Irã e seus dilapidados aliados regionais. Eles prometem atacar os EUA também, o que muda a equação.
Há a possibilidade de a teocracia até se desmanchar, mas a história ensina que guerras são ótimos elementos de galvanização de sociedades divididas até tudo dar errado —e isso vale para Netanyahu também.