O devastador ataque de Israel ao Irã, evento impensável antes das guerras do 7 de Outubro, criou um paradoxo para Estados Unidos e Rússia, as maiores potências nucleares do planeta.
A ação de Binyamin Netanyahu, um aliado de primeira hora de Donald Trump, colocou o americano sob pressão e expôs a futilidade de seus esforços declarados pela paz mundial. Já Vladimir Putin, ao ver o aliado Irã em apuros, tem mais a ganhar no curto prazo.
Começando pelo americano, naturalmente é preciso tomar as declarações públicas de lado a lado com o proverbial grão de sal. É possível que Netanyahu não só tenha avisado Trump de que iria atacar, como ambos disseram, mas tenha combinado o jogo.
Isso dito, o fato de ter ido à guerra sozinho no momento em que o americano apostava em dobrar os iranianos coloca o republicano em maus lençóis.
Desde que voltou à Casa Branca, Trump tenta vender a imagem do promotor de acordos consumado, que iria resolver os problemas do planeta com negociações passivas-agressivas. Começou pela Faixa de Gaza, voltou-se à Ucrânia e, agora, havia aberto o canal com o Irã após anos de contatos cortados.
Fracassou nas três frentes até aqui. Em Gaza, Netanyahu jogou fora o cessar-fogo que havia dado de presente na véspera da posse de Trump e retomou a aniquilação de ruínas, incapaz de destruir um Hamas já reduzido ao estágio de guerrilha ideológica.
Em relação à Ucrânia, a aproximação com Putin e a adoção dos pontos discursivos principais da Rússia no conflito abriu de fato uma via antes interditada de negociações. Mas a dinâmica pró-Kremlin do processo gerou um impasse que, salvo reviravolta, pode acabar com a prometida retirada americana da confusão, o que pode ser a debacle de Kiev.
Por fim, o Irã. Após ser o artífice do deserto gelado que marcava o tema do programa nuclear iraniano, ao retirar os EUA em 2018 do acordo que trocava o relaxamento de sanções pela renúncia à bomba, Trump surpreendeu ao estender a mão a Teerã.
Com razão, os aiatolás desconfiaram. Primeiro, porque a mão veio armada, com uma mobilização de forças ofensivas americanas na região. Segundo, porque assim que as conversas começaram, ficou claro que Washington desejava o fim de todas as capacidades nucleares da teocracia.
Teerã rejeitou, já que o importante sempre foi ter a possibilidade de fazer a bomba, não necessariamente tê-la para destruir Israel —uma potência nuclear, diga-se. Nos últimos dias, havia sinais de que Washington poderia aquiescer, mas Netanyahu usou o impasse e o selo de violador de compromissos nucleares dado pela ONU ao Irã para fazer o que sempre quis fazer.
Aí entra Putin, que de pronto condenou os mísseis que caíram sobre o país com que firmou neste ano importante acordo militar, ainda que não seja vinculativo em termos de defesa mútua. Teerã já havia fornecido tecnologia de drones suicidas, e iria receber baterias antiaéreas sofisticadas e caças —não deu tempo.
Pelo valor de face, a ação de Israel é mais uma humilhação regional para o Kremlin, como foi a queda da ditadura de Bashar al-Assad com a mão grande da Turquia no ano passado.
Para além da superfície, há o fato de que Putin tem ganhos imediatos com a crise. Primeiro, vê o preço do petróleo disparar. Terceira maior produtora da commodity, a Rússia depende de sua receita de exportação para financiar sua guerra e o maciço investimento militar do país, que já bate em 7% do PIB.
A majoração é do interesse russo —e de atores como a Arábia Saudita, embora para ela uma eventual disrupção do fluxo no golfo Pérsico seja um grande perigo, já que 90% de sua produção é escoada por lá.
Putin também aufere o mesmo ganho que teve quando o Hamas atacou Israel: os olhos do mundo deixam a Ucrânia num momento difícil, sob avanço russo. Se a isso se somar um desengajamento maior ainda de Trump do assunto, ninguém irá reclamar em Moscou.
Como é evidente, essa é uma avaliação de momento, dependendo de fatores como a duração e o resultado da ação de Israel e variáveis como a entrada ou não dos EUA no conflito.