A primeira semana de Donald Trump na Casa Branca ficou marcada não pelo discurso duro anti-China ou anti-Rússia, como se esperava. Pelo contrário, a menção mais direta relacionada à política externa em seu discurso de posse dirigiu-se a um parceiro de longa data dos Estados Unidos: o Panamá.
O novo presidente americano repetiu a ameaça que vem aventando há meses. Quer o Canal do Panamá de volta e considera recomprá-lo, mas não abrirá mão da força militar se for este o caso.
A ideia se baseia em uma concepção torta de que, ao permitir a operação de empresas chinesas no canal, o país centro-americano estaria violando os princípios de neutralidade previstos no tratado de 1977 que devolveu o projeto aos panamenhos.
O mesmo raciocínio foi defendido pelo agora secretário de Estado americano, Marco Rubio, em sua audiência de confirmação no Comitê de Relações Exteriores do Senado. Mais polido, ele disse concordar com o argumento de que a tal neutralidade tinha sido violada. “Se [a China] ordenar que uma empresa estatal feche ou impeça nosso trânsito, eles terão de fazê-lo”, conjecturou.
É importante destacar aqui —essas afirmações não têm respaldo em fatos. A China continental controla um porto na Ilha Margarita, no lado atlântico da obra, enquanto uma estatal (a CHEC) venceu uma licitação para a construção de uma ponte no canal em 2018. E só.
No muito, Rubio e Trump podem estar se referindo à Hutchison Ports, empresa privada de Hong Kong, que em 2021 ganhou os direitos de explorar dois portos em ambos os lados do canal por 25 anos. E aqui, talvez, resida a maior chance americana em conseguir qualquer coisa dos panamenhos.
Ainda que irritado com as ameaças, o governo panamenho começou a se movimentar para auditar as operações da Hutchison. Isso porque, quando o contrato de 25 anos foi assinado, o então controlador-geral do Panamá, Gerardo Solis, tinha pretensões eleitorais e mandou arquivar um relatório de viabilidade do negócio.
A despeito do interesse de outras empresas, o governo à época correu para assinar o termo e nunca soube explicar o porquê de ter aceitado taxas aduaneiras muito abaixo das praticadas no resto do mundo
Agora, preocupado com a necessidade de levantar fundos e vendo uma insatisfação doméstica tomar contornos geopolíticos, o Panamá resolveu matar dois coelhos em uma cajadada só.
Pessoas envolvidas com as tratativas me contam que o objetivo da auditoria é ter em mãos dados que contraponham a narrativa de que “a China controla o porto”. Se no caminho descobrirem indícios de corrupção, tanto melhor: o governo passa a imagem de transparência ao público interno e força a companhia a rever os termos ou, no limite, cancelar a concessão, abrindo espaço para alguma empresa americana. Entregar o canal nas mãos de Washington, porém, está descartado.
Continuar com as ameaças de invasão militar seria desastroso para os EUA. O Panamá não tem forças armadas dedicadas à defesa, com militares cuidando do controle de fronteiras e prevenção ao tráfico. Panamenhos partiam do pressuposto de que seriam os americanos a defendê-los em caso de crise.
Se forem os seus pretensos salvadores aqueles a iniciarem um ataque, não seria possível se defender. Mas para o deleite da China, a manobra feriria de morte a já parca influência dos EUA na América Latina, abrindo espaço para ainda mais presença de Pequim na região.
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