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‘Abandonei o futebol para ser quem eu sou’: conheça a primeira mulher trans a disputar um campeonato oficial no Brasil

O tempo é relativo. De Einstein aos Incas, são inúmeras as teorias sobre a passagem dele. No entanto, há pessoas que desafiam a lógica do tempo. Nicole Rose, a primeira mulher trans a jogar futebol em uma competição oficial no Brasil, faz parte deste seleto grupo. Aos 38 anos, a atacante do Nacional Atlético Clube…

Reprodução

Nicole Rose, do Nacional Atlético Clube

O tempo é relativo. De Einstein aos Incas, são inúmeras as teorias sobre a passagem dele. No entanto, há pessoas que desafiam a lógica do tempo. Nicole Rose, a primeira mulher trans a jogar futebol em uma competição oficial no Brasil, faz parte deste seleto grupo. Aos 38 anos, a atacante do Nacional Atlético Clube decidiu recomeçar a carreira no esporte, quando a maioria já está perto de encerrar, disputou uma edição do Campeonato Mineiro e vai jogar a Série C do Brasileirão nesta temporada.

– É a retomada de algo que ficou perdido na minha vida, né? Eu lutei muito para jogar em uma competição profissional, mas não é meu desejo ter o futebol como profissão. Eu já tenho 38 anos, não tenho muito tempo para criar uma carreira longa, talvez ainda consiga jogar mais uns cinco anos, no máximo. Então, o que eu quero mesmo é abrir o caminho para que eu não seja a única mulher trans nesse lugar – contou Nicole, em entrevista à Trivela.

Nicole se apaixonou por futebol ainda na infância, antes mesmo de se entender mulher trans. Porém, a falta de identificação com seu próprio corpo estava presente, ainda que de forma sutil. Foi por volta dos 12 anos que a sensação de desconforto se tornou mais latente, e o vestiário já parecia um lugar difícil de entrar. Por conta disso, decidiu se arriscar no tênis, pela maior liberdade no esporte individual e, em pouco tempo, encontrou uma nova paixão.

Mesmo assim, o faro de gol não a deixava esquecer os gramados e, três anos depois, ela retornou às categorias de base. Na escolinha do América-MG, se destacou e ganhou espaço em equipes sub-17 e sub-20. Até que, aos 20 anos, firmou o primeiro contrato profissional para disputar a segunda divisão do Mineiro pelo União Luziense.

– Eu estava jogando bem. Foi aí que eu lesionei o joelho (LCA) e tudo mudou. Durante a recuperação da cirurgia, eu já sabia quem eu era. Eu sabia que eu estava reprimindo quem eu era para tentar ser jogadora profissional. Foi um período em que  eu consegui parar para pensar e tentei enxergar como seria minha carreira depois de 15, 18 ou até 20 anos – relembrou.

– Entendi que seria muito triste ter que reprimir mais outros tantos anos da minha vida, de ser quem eu sou, para seguir o sonho de jogar futebol. Abandonei o futebol para ser quem eu sou.

A partir dali, Nicole deixou o esporte para trás, assim como a casa dos pais, e iniciou o tratamento hormonal para a sua transição.

Tênis como válvula de escape, poker como profissão

Foram mais de 11 anos sem sequer chutar uma bola, nem de brincadeira. O tênis foi a válvula de escape para Nicole, que sempre amou a competição. Porém, nova lesão também a afastou das quadras. Neste meio tempo, outro esporte apareceu no caminho: o poker.

– Dei um tempo no tênis depois que lesionei o punho. Precisei fazer outra cirurgia e foi mais um processo – disse Nicole, enquanto apontava para uma cicatriz no punho direito na videoconferência.

– Nessa época, eu estava aprendendo a jogar poker de forma recreativa. Mas percebi que não tinha como eu voltar para o tênis tão cedo, porque a minha cirurgia não foi bem sucedida. Aos poucos, eu fui migrando para o poker e comecei a ganhar mais do que eu ganhava com o tênis. Fiquei muito boa e comecei a dar aula, depois montei times e passei a administrar. Hoje tenho uma posição consolidada – acrescentou.

“Recuperar o tempo perdido”

Com o poker na jogada e o tênis como segunda paixão, a retomada do futebol só aconteceu em 2022, quando Nicole teve a oportunidade de ingressar em uma equipe LGBTQIA+, o Bharbixas Esporte Clube, de Belo Horizonte. A equipe participou da Ligay, competição amadora, e se destacou na posição de centroavante. O contrato com o Nacional, no fim daquele ano, foi agarrado com unhas e dentes.

Elenco do Nacional Atlético Clube (Foto: Divulgação)

– Eu voltei a jogar só para me divertir e aí as coisas foram acontecendo. Só que, quando a  Federação Mineira me bloqueou de disputar o Mineiro, porque meu cadastro na CBF era antigo, antes da retificação (de gênero), eu vi uma oportunidade de ajudar a minha comunidade. Eu pensei: “Agora eu vou vou com tudo”. Foi a chance de abrir um precedente para que outras pessoas trans possam vir depois de mim.

Depois de vencer as burocracias e conseguir regularizar sua situação na Federação Mineira, Nicole não decepcionou no estadual. Foram seis gols e três assistências em cinco jogos disputados. O contrato com o clube segue vigente para esta temporada, mas o futuro ainda segue uma incógnita para a atacante.

– É impossível recuperar todo o tempo perdido, mas eu estou aproveitando ao máximo o que tenho agora. Só vou saber se terei mais oportunidades depois do Brasileirão, então agora estou focada nisso. Muitas vezes, quando eu falo que sou uma mulher trans, os clubes nem me dão oportunidade de fazer um teste. É por isso que eu não posso desistir. Eu tenho uma missão.



Fonte: Alagoas 24 Horas

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