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Alunos em anos finais do fundamental viram desafio para o MEC

O Ministério da Educação (MEC) lançou na quinta-feira (11) uma plataforma para monitorar melhor o desempenho de alunos entre o 6º e o 9º ano nas escolas, os chamados “anos finais” do ensino fundamental.

Essa faixa da escolarização, que costuma marcar a transição da infância para a adolescência, é vista por educadores como negligenciada no Brasil e como um grande desafio para o poder público. É nesses anos que a evasão escolar costuma aumentar e que algumas lacunas na formação dos primeiros anos se tornam mais patentes.

A nova ferramenta, que poderá ser usada por professores e gestores educacionais de todo o Brasil para diagnosticar os problemas e tentar aprimorar o desempenho de estudantes dos anos finais, faz parte do Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, uma política do atual governo que tenta solucionar problemas de defasagem de aprendizagem nas escolas. A plataforma integra um programa voltado aos anos finais que o governo batizou de “Escola das Adolescências”.

Especialistas consultados pela Gazeta do Povo fazem diagnósticos semelhantes sobre a situação dos anos finais no Brasil, mas apresentam visões distintas sobre o plano do governo para lidar com os problemas. Eles consideram que essa é uma etapa negligenciada da educação, que merece uma atenção especial, mas têm opiniões diferentes em relação à relevância da plataforma que será implementada.

Mayra Antonelli Ponti, pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação e Economia Social (LEPES) da USP, participou das reuniões que levaram o MEC à decisão de dar atenção a jovens do 6º ao 9º ano. Ela comemora a iniciativa e critica a lacuna de décadas sem políticas públicas direcionadas aos anos finais do ensino fundamental. “Houve algumas iniciativas, mas nunca foram colocadas em prática com implementação e adesão das redes”, diz.

Renan Sargiani, presidente do Instituto Edube (Instituto de Educação Baseada em Evidências) e pós-doutor em Educação pela Universidade Harvard, diz que a iniciativa do MEC, “embora bem-intencionada, parece mais uma medida paliativa do que uma solução estrutural”. Para ele, criar uma plataforma de avaliação, por si só, não resolve problemas estruturais da educação.

À Gazeta do Povo, o MEC afirma que “a plataforma de avaliação não se trata de uma ação isolada” e que “sua utilização compõe uma estratégia articulada de apoio às redes”, como o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens e o Escola das Adolescências. “É necessário o alinhamento do uso da plataforma de avaliações com outras ações para que de fato seja garantido o direito à aprendizagem”, diz o ministério.

Para usar a nova plataforma e acessar materiais de instrução e cadernos de teste, os professores e gestores devem se cadastrar neste site. Com a avaliação diagnóstica, o MEC quer que professores identifiquem as habilidades prioritárias que precisam ser reforçadas para assegurar que os alunos possam continuar progredindo.

A aplicação do primeiro ciclo de avaliação está prevista para ocorrer de 24 de julho a 23 de agosto. Os materiais estarão disponíveis para download a partir de 22 de julho. Durante esse período, haverá suporte técnico e lives explicando os procedimentos da plataforma.

Atenção ao começo e ao fim da educação escolar tornam os anos finais do fundamental “esquecidos”

A atenção maior ao início da vida escolar – quando os alunos começam, entre outras coisas, a ser alfabetizados e fazer as primeiras contas matemáticas – e ao fim do ensino médio – quando se aproxima o vestibular ou a decisão de ingressar no mercado de trabalho – faz com que o período entre essas duas etapas tenda a ser negligenciado pelo poder público.

Desde que notou essa lacuna, Mayra Antonelli Ponti tem atuado para saná-la. Ela é uma das idealizadoras do documentário “Esquecidos! – Crise nos Anos Finais do Ensino Fundamental”, que está no YouTube e tenta chamar a atenção para o problema.

“A gente chama de etapa ‘esquecida’ justamente porque fica entre duas etapas tidas como prioritárias – e que realmente são prioritárias, ninguém pode dizer que não –, que são a da alfabetização, nos anos iniciais do ensino fundamental, e depois a questão do ensino médio, que vai preparar para o vestibular, para o mundo do trabalho. Os anos finais [do fundamental] ficavam esquecidos entre essas duas etapas”, explica.

Os desafios para os anos finais, na visão dela, começam pelas características da faixa etária dos estudantes. “Há a questão da própria fase do desenvolvimento humano, que é a entrada da adolescência, uma fase marcada por modificações muito intensas, cheia de conflitos, de desafios, mas com muitas potencialidades. Os estudantes estão passando por uma fase de grande modificação corporal, social, emocional, psicológica…”, comenta.

Além de questões desse tipo, diz a especialista, “há uma grande modificação estrutural na forma como a escola se apresenta para o estudante”. “Há uma ruptura muito grande. Até o quinto ano, eles costumam ter praticamente um professor só, a ‘professora regente’ – exceto os de idiomas, de artes, de educação física. Nos anos finais, já começa uma estrutura muito semelhante à do ensino médio, com muitas disciplinas, muitos professores diferentes, que passam pouco tempo com os estudantes. Há uma dificuldade maior de criar vínculo, justamente numa fase em que o jovem precisa de vínculo adulto, porque começa a buscar modelos fora da família.”

Mayra enxerga ainda “uma lacuna em termos de aprendizado, uma defasagem” na educação básica, que tende a “se refletir nos anos finais, em que eles vão se aprofundar em aspectos mais complexos das disciplinas”.

Outro ponto, segundo ela, é que a configuração do ambiente educacional muda muito nos anos finais. “Os alunos têm que desempenhar algo muito semelhante em um ambiente muito diferente, e muitas vezes não conseguem transpor aquilo que aprenderam para o novo contexto da forma como exigem dele nos anos finais do ensino fundamental. Há certo desconforto de professores, que relatam que muitos estudantes chegam até o sexto ou sétimo ano sem uma grande compreensão dos temas, ou sem estar plenamente alfabetizados. Em parte, isso deve a uma defasagem de aprendizado, mas também existe essa mudança de ambiente que faz o estudante se sentir menos eficaz.”

Para ela, há a necessidade de “cuidar dessa transição, de ter um diálogo entre os profissionais que atuam nos anos finais e os que atuam nos anos iniciais, para que haja uma fluidez na transição”. “Um caminho é promover a articulação para que essa transição aconteça de maneira que os requisitos que vão ser solicitados para esses estudantes nos anos finais sejam atendidos nos anos iniciais, e para que o pessoal dos anos finais também entenda o que está sendo feito nos anos iniciais.”

Outro problema comum, segundo ela, é a evasão escolar. “Como a fase da adolescência é uma fase difícil de lidar, tanto para o próprio indivíduo quanto para a família e para a escola, a gente precisa que a escola abrace uma responsabilidade de cuidado com esses estudantes. Às vezes, o estudante não está indo à escola ou está reprovando porque não tinha como se transportar, não tinha como chegar à escola, ou porque precisou trabalhar para colaborar com a família ou, no caso das meninas, porque engravidaram. Há várias questões que antecedem a questão da aprendizagem.”

Mayra também vê como fundamental, na complicada fase da adolescência, a integração entre escola e família. “A escola é uma parte da vida do estudante. E a vida que ele tem em casa é uma outra parte. Só que a gente precisa pensar como essas duas partes se integram. O que ele vive na escola e o que ele vive em casa não podem ser duas realidades descoladas. Quando a escola faz ações buscando a participação da família, para que ela saiba o que o estudante tem vivido na escola, isso é uma forma da família se conectar mais com o adolescente. Por exemplo, se a escola não consegue comunicar à família que o desempenho de um estudante não está adequado, não consegue mostrar a importância de um bom desempenho para ele continuar os estudos e fazer um projeto de vida, a família não vai conseguir apoiar”, diz.

Especialista critica a criação indiscriminada de novas avaliações e políticas

Renan Sargiani também destaca a dificuldade enfrentada por alunos brasileiros nos anos finais do Ensino Fundamental, mas vê com ressalvas a iniciativa do MEC. Ele considera que o hábito dos gestores estatais da educação no Brasil de criar avaliações e políticas tende a servir para dar uma falsa sensação de eficácia.

“Avaliar é importante, desde que se faça algo com essa avaliação. Não adianta avaliar por avaliar. A questão crucial é: teremos respostas tempestivas e utilizáveis com essa plataforma? Elas chegarão a tempo de os professores utilizarem essas informações e mudarem suas estratégias de ensino?”, questiona.

Sargiani considera o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens uma estratégia pouco clara e “uma reafirmação de algo já previsto na legislação, que é o regime de colaboração entre União, estados e municípios”. As ações subordinadas a esse pacto, como o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada e o Escola das Adolescências, são, para ele “vagas e redundantes”. “Parece ser algo muito simples lançar novos programas e ações por adesão voluntária, quando eles apenas anunciam boas ações de que ninguém discordaria”, diz.

O especialista vê a necessidade de medidas “efetivas e concretas, não apenas de avaliações e ações desarticuladas”. “Se o governo realmente deseja melhorar o desempenho dos alunos nos anos finais, precisa de um compromisso sério e duradouro com a educação, que vá além de lançamentos pontuais de plataformas”, afirma.

Embora não veja a iniciativa como uma solução por si só, Sargiani considera importante a atenção do poder público aos anos finais, que ele vê como “uma fase intermediária importante, mas muito esquecida”. “Costumamos falar, estudar e discutir mais sobre o começo da escolarização e sobre o ensino médio, mas poucas ações são diretamente relacionadas aos estudantes do ensino fundamental II. Esse público tem características importantes na transição da infância para adolescência e a vivência dessa própria fase”, observa.

Essa etapa, recorda ele, é marcada por “dificuldades curriculares, de programas de ensino, de infraestrutura e até mesmo de questões socioeconômicas que garantam não apenas o acesso à escola, mas também a permanência e a aprendizagem”. “Muitos dos alunos desse período são confrontados com questões mais graves que envolvem, por exemplo, ter que trabalhar e ajudar no sustento de suas famílias e ainda lidarem com dificuldades de aprendizagem que foram acumuladas nos primeiros anos de escolarização e que agora dificultam o seu progresso”, comenta.

Alguns dos problemas enfrentados nos anos finais são, para Sargiani, “um reflexo direto das deficiências nos primeiros anos do ensino fundamental, especialmente no que diz respeito à alfabetização”. “Se os estudantes não adquirem as habilidades de leitura e escrita de maneira sólida, enfrentarão dificuldades crescentes à medida que avançam nos estudos”, afirma.

Sargiani critica, nesse sentido, a revogação da Política Nacional de Alfabetização, feita pelo governo Lula em 2023. Defensor de um processo de alfabetização baseado em evidências científicas, ele diz que é frequente que jovens avancem de ano sem aprender a ler e escrever. “Existem muitas evidências mostrando que, em um sistema alfabético, é preciso ensinar explicitamente as relações entre letras e seus sons, ou seja, entre grafemas e fonemas. Todos os estados e municípios que tiveram bons resultados adotaram essa estratégia”, comenta.

Para ele, a revogação da Política Nacional de Alfabetização é “um exemplo de como rupturas de políticas bem estabelecidas podem ser prejudiciais”. A lógica de sempre querer conceber novas iniciativas gera, segundo o especialista, uma “redundância de políticas e programas que se sobrepõem, criando um ambiente burocrático e nebuloso, que torna difícil saber quais metas seguir ou quem é responsável por cumpri-las”.

“Precisamos de uma ação de Estado, não apenas de governo, com metas claras e responsabilidades bem definidas”, diz Sargiani. “Em ciência, nós chamamos de ‘publicação-salame’ ou ‘fatiamento salame’ quando um pesquisador publica uma pesquisa dividindo-a em várias publicações irrelevantes só para bater metas de publicações, o que obviamente é anticientífico e antiético. O que observo com descontentamento é o lançamento de várias plataformas, avaliações, compromissos e políticas redundantes para aumentar a sensação de que algo está sendo feito”, acrescenta.

Fonte: Gazeta do Povo

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