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Treino, tanque vazio e avião explicam ‘milagre de Tóquio’ – 03/01/2024 – Mundo

Acidentes aeronáuticos quase que por regra são explicados por uma conjunção de fatores. O mesmo se aplica às ocorrências excepcionais de sobrevivência de passageiros e tripulantes em desastres horríveis.

É o caso do “milagre de Tóquio“, no qual todas as 379 pessoas a bordo de um Airbus A350-900 sobreviveram após o choque durante o pouso com um avião da Guarda Costeira japonesa na terça (2) —enquanto 5 dos 6 ocupantes do pequeno Dash-8 morreram.

Se a investigação ainda irá apontar os fatores que levaram à colisão logo após o pouso do grande A350, às 17h47 locais (5h47 em Brasília), é possível delinear alguns dos fatores que levaram à evacuação segura em condições extremamente adversas: treinamento da tripulação, a quantidade de combustível do avião e os materiais novíssimos usados em sua composição.

Treinamento

Inescapável, no caso do voo JAL 516 entre Sapporo (norte do Japão) e o aeroporto internacional de Haneda, em Tóquio, é a eficácia do treinamento dos comissários de bordo.

Segundo os relatos disponíveis de passageiros e da empresa, todo mundo foi retirado do avião dentro dos 90 segundos exigidos pela legislação internacional como limite de segurança para esse tipo de operação.

E tudo isso ocorreu com apenas 3 das 8 saídas de emergência utilizáveis —a nota da JAL não especificou quais, mas relatos de passageiros e imagens indicam que eram duas na parte dianteira da aeronave e uma, na traseira.

As imagens das pessoas sem malas nos escorregadores infláveis das saídas mostra também que a regra zero de evacuações, deixar tudo para trás, foi respeitada pelos passageiros. Num evento como esse, cada segundo é vital.

Tanque vazio

Outro fator importante no incidente foi o fato de que o avião não explodiu ao colidir, ao que tudo indica ainda na sua desaceleração na pista, com o Dash-8 que participava do esforço humanitário após o terremoto que atingiu o Japão na segunda (1º).

Por regra, aviões em rotas domésticas usualmente levam 10% a mais de reserva além do combustível previsto para a viagem. Enquanto o dado não é público ainda, é possível especular que o A350 não estivesse com toda sua capacidade, dado que tratava-se de um voo curto —1h32min para cobrir os 800 km entre Sapporo e Tóquio.

O A350-900 na versão X11, usada na rota pela JAL, tem capacidade para 146 mil litros de combustível, segundo dados da Oneworld, a aliança de linhas aéreas a qual a empresa japonesa pertence. Pode voar 15 mil km sem reabastecer.

Com um consumo em cruzeiro de 7.700 litros/hora que a Airbus cita para o modelo, é de se supor que ele tenha voado com um tanque bem leve, ainda que tenha sido necessário bastante querosene para colocar o avião com capacidade quase total de ocupação no ar —a configuração previa 369 passageiros, 2 a mais do que havia a bordo.

Novos materiais

Segundo relato de passageiros colhidos por agências de notícia, a primeira explosão foi notada 10 minutos após as pessoas desembarcarem do avião. O emprego de uma nova geração de materiais aeronáuticos é colocado sob o holofote no acidente, tanto pelo que ele traz de positivo quanto devido aos riscos associados.

Do lado mais óbvio, o uso extensivo de materiais não inflamáveis na cabine parece ter sido essencial para que a janela de 90 segundos fosse bem aproveitada.

Os bombeiros demoraram quase três horas para conseguir apagar as chamas, quando o avião já era basicamente um esqueleto. Aqui o foco se vira para a matéria-prima desta nova aeronave, que começou a ser feita em 2010 e entrou em operação em 2015 —o modelo do acidente chegou à JAL em 2021.

O A350 é, ao lado do Boeing 787, o avião mais avançado no uso de materiais compostos, ou compósitos, em sua estrutura. Enquanto modelos que ambos buscam substituir, como o A340 ou Boeing 777, têm entre 10% e 15% de seu peso oriundo desses materiais, o índice sobe a 50% nos aviões novos.

O A350, com efeito, é o o mais moderno modelo em operação no mundo hoje. Se 50% de seu peso vem dos compósitos, eles ocupam cerca de 80% de sua área em metros quadrados, respondendo por praticamente toda a fuselagem e asas. É material mais resistente e leve, fazendo o aparelho queimar 25% menos combustível por assento no voo.

O problema é que os compósitos, primariamente compostos de fibra de carbono mergulhada em resinas em lâminas, mas também fibra de vidro e outros materiais, têm um ponto de fusão mais baixo do que o do alumínio que compõe 50% do peso de um 777.

Ele derrete, espalhando o fogo, com temperaturas na casa dos 200/300 graus, enquanto alumínio sofre o processo com 700 graus. Em outras palavras, o avião é mais inflamável.

Por outro lado, especialistas em segurança aeronáutica ouvidos por veículos como o britânico The Guardian apontaram, a temperatura pela natureza das chamas no JAL 516 deve ter ultrapassado os 1.000 graus —ou seja, a dimensão do incêndio seria a mesma num avião mais velho.

Desenho

Em compensação, a forma com que o avião é construído pode ter ajudado a manter o fogo sob contenção nos cruciais segundos iniciais do desastre.

Tanto Airbus quanto Boeing protegem os tanques de combustíveis nas asas e sob o centro da fuselagem com metais e materiais isolantes, não compósitos, o que pode explicar as imagens do fogo concentrado na asa esquerda do A350, antes de se espalhar.

Fonte: Folha de São Paulo

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