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‘Erro’ em livro sugere racismo na realeza britânica – 01/12/2023 – Mundo

O lançamento do livro de Omid Scobie sobre a família real britânica, “Endgame”, tem sido uma bagunça —chamativo, extravagante, tentador, mas, em última análise, um pouco reticente— o que significa dentro do esperado para um relato supostamente completo da família menos decodificada do mundo sobre a qual mais se escreveu.

A parte reticente envolve uma pérola radioativa e não confirmada que surgiu na edição holandesa do livro de Scobie, publicado nesta terça-feira (28): a identidade de dois membros da família real que, segundo relatos, expressaram preocupações sobre a cor da pele do então futuro filho do príncipe Harry e Meghan Markle.

A editora holandesa de Scobie, Xander, rapidamente retirou o livro das prateleiras e lojas virtuais na Holanda a pedido do autor e de seu agente, citando um “erro” não especificado que, segundo eles, seria corrigido a tempo de o livro voltar a ser vendido no dia 8 de dezembro. Os integrantes em questão da família não são identificados nas edições britânica e americana, que foram publicadas por selos da editora HarperCollins.

Mas a versão não corrigida de “Endgame” ficou tempo suficiente em Amsterdã e outras cidades para que os leitores o comprassem e para que um dos nomes circulasse nas redes sociais (o segundo integrante da família real apareceu em outro momento no livro, embora não tão diretamente ligado ao incidente relatado) —o suficiente para gerar manchetes sugestivas nos tabloides de Londres no dia seguinte.

“Livro nomeia ‘racista real'”, disse o Daily Mirror. “Livro de Scobie retirado por nomear ‘racista real’ por engano”, acrescentou o Daily Mail. “Realeza unida contra ‘calúnias maliciosas'”, escreveu o Daily Express, acrescentando uma foto do Rei Charles 3º e seu herdeiro, o príncipe William.

Nenhum dos jornais britânicos publicou inicialmente o nome, referindo-se apenas a um “integrante sênior da realeza”. Mas qualquer pessoa equipada com um iPhone e o Google poderia descobrir em menos de 30 segundos. Na quarta-feira à noite, o apresentador Piers Morgan finalmente revelou os nomes em seu programa adequadamente chamado “Piers Morgan Sem Censura”. Os integrantes da realeza em questão, segundo ele, eram Charles e Kate Middleton, princesa de Gales e esposa de William.

Morgan disse que os contribuintes britânicos, que apoiam a família real, mereciam conhecer o que os leitores holandeses sabiam, expressando a esperança de que sua revelação provocasse “um debate mais aberto sobre todo essa bagunça”. Morgan, cuja antipatia por Meghan é bem documentada e ficou evidente novamente na quarta, disse não acreditar que “qualquer comentário racista tenha sido feito por qualquer integrante da família real”.

Na tarde de quinta, o jornal britânico The Guardian se tornou o primeiro jornal britânico a publicar os nomes em seu site. O fato de a imprensa britânica ter sido tão relutante, apesar dos nomes terem sido divulgados na TV e em toda a internet, atesta tanto as rigorosas leis de difamação e privacidade da Grã-Bretanha como a influência que a família real exerce sobre a imprensa. O Daily Mail escreveu em sua capa na quinta que a revelação de Morgan causaria “indignação”.

O Palácio de Buckingham se recusou a comentar, assim como o Palácio de Kensington, onde William e Kate têm seus escritórios.

A perturbação é uma história reveladora da mídia, mas também é a cauda longa de um psicodrama familiar que remonta à entrevista que Harry e Meghan deram a Oprah Winfrey em março de 2021. Nela, Meghan, uma ex-atriz americana de pai branco e mãe negra, afirmou que Harry havia tido conversas sobre seu futuro filho, Archie, nas quais integrantes da família expressaram preocupações sobre “quão escura seria sua pele quando ele nascesse”.

Meghan se recusou a dizer quem eram os envolvidos, embora Winfrey tenha descartado posteriormente a Rainha Elizabeth 2ª e seu marido, Philip. Em resposta cuidadosamente redigida na época, o palácio disse que “as lembranças podem variar” e prometeu abordar as preocupações de Meghan reservadamente.

O casal pareceu ansioso para minimizar o incidente desde então. O assunto não foi mencionado em um documentário da Netflix em seis partes, “Harry & Meghan”, que lançou na tela muitas outras roupas sujas. Harry evitou o assunto em “Spare”, sua autobiografia, e negou sugestões de racismo em sua família. Há uma diferença, disse ele em entrevista em janeiro passado, “entre racismo e preconceito inconsciente”.

Essa última erupção captura uma das estranhas contradições da cobertura jornalística da realeza na era das redes sociais. Enquanto Harry e William criticaram a olhar implacável e muitas vezes impreciso rde parte sensacionalista da imprensa, algumas das informações mais suculentas sobre a Casa de Windsor nunca aparecem nos jornais. Elas se escondem nas profundezas obscuras do Facebook ou do X, amplamente compartilhadas e facilmente acessíveis, mas sem o selo de aprovação da Fleet Street [rua histórica da imprensa britânica em Londres] que a família real tanto detesta e deseja.

Neste caso, a história é ainda mais complicada por Scobie, cujo livro anterior, “Finding Freedom”, escrito com Carolyn Durand, rendeu-lhe a reputação de ser muito próximo de Harry e Meghan, que mais tarde autorizou um assessor a informá-lo sobre o lado dela na história da ruptura amarga do casal com a família.

Em “Endgame”, Scobie se autodenomina um lobo solitário que opera fora do que ele chama de “bando de jornalistas autoregulados, que assim como a equipe de imprensa da Casa Branca, acompanham a família em suas várias empreitadas”. Ele acrescentou: “Partes deste livro queimarão minhas pontes de vez”, o que parece uma aposta certa. Scobie não respondeu a dois pedidos de comentário do New York Times.

Em entrevista para a televisão holandesa, o jornalista afirmou que não identificou integrantes da família como fazendo comentários sobre cor da pele e que não tinha ideia de como os nomes acabaram na tradução holandesa. O livro se refere a cartas entre Meghan e Charles, então príncipe de Gales, nas quais os dois discutiram a questão.

A publicação dos nomes foi revelada por Rick Evers, um repórter real holandês, que disse tê-los encontrado enquanto lia o livro. Ele postou uma captura de tela de uma página, juntamente com uma tradução em inglês, em sua conta no X, que se refere a cartas entre Meghan e Charles. Uma referência posterior à princesa de Gales envolvida em conversas sobre Archie é menos específica.

A diretora administrativa da editora, Anke Roelen, disse que investigaria como os nomes acabaram no livro. “Foi um processo extremamente preciso que levou meses. Então, estamos tendo muito cuidado ao tirar quaisquer conclusões”, disse.

Além do perigo legal, a agitação é um sonho para os livreiros de Scobie, especialmente depois que seu livro recebeu uma recepção crítica morna.

“Leitores esperando por um golpe final de fofoca ficarão desapontados”, disse o New York Times em sua resenha. “Já ouvimos muito disso antes. Da Fergie, da Diana, do Charles, do Harry, do Harry e do Harry de novo.”

Fonte: Folha de São Paulo

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