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Falta de ambição do Brics salta aos olhos – 04/07/2025 – Igor Patrick

Quando o Brics surgiu, em 2009, havia um sopro de esperança de que o chamado Sul Global (jargão em referência aos países emergentes) enfim encontraria um fórum capaz de contrabalançar o peso histórico do Ocidente. O acrônimo, que começou como aposta de mercado, virou bloco político, ganhou reuniões anuais, fundos de desenvolvimento e comunicados robustos, mas nunca se livrou de um traço que hoje, mais do que nunca, salta aos olhos: a falta de ambição concreta.

Às vésperas da cúpula que se abre no Rio de Janeiro, é esta a percepção de diplomatas com quem venho conversando nos últimos dias. Para muitos países médios e pequenos, aderir ao Brics é um gesto de protesto contra o que consideram uma ordem global desigual, mas a força de atração não vem se convertendo em força de ação. E este talvez seja o maior paradoxo: quanto mais cresce, mais se revela vazio de propósito.

Cauteloso, o grupo tenta se agarrar a uma percepção irreal de igualdade entre os membros e no princípio da não interferência, o que no papel é nobre, mas acaba servindo como desculpa para não enfrentar divergências internas nem produzir resultados tangíveis.

Como exemplificou um ex-embaixador brasileiro com quem conversei no início da semana, prova disso é a tímida integração econômica entre os membros, que avançou a passos tão lentos que, só em 2020, mais de uma década depois da fundação, veio à tona o primeiro esboço de estímulo à cooperação comercial intrabloco. E mesmo assim, cheio de ressalvas sobre soberania e autonomia de políticas, como se temessem o risco de cooperar de fato.

Esse comportamento, ele adicionou, tem raízes profundas. Não é só a rivalidade velada entre China e Índia, ou o peso desproporcional de Pequim, que molda as hesitações do Brics. É também a cultura diplomática de muitos de seus integrantes, especialmente os asiáticos, para quem o pragmatismo comercial costuma valer mais do que arranjos multilaterais robustos.

Não por acaso, falta ao grupo um secretariado permanente, um site único, um repositório de memória institucional. Tudo se perde a cada cúpula, recomeçando do zero no ano seguinte.

Enquanto isso, o Novo Banco de Desenvolvimento, que poderia ser um instrumento poderoso para financiar infraestrutura, transição energética ou inovação tecnológica, limita-se a empréstimos convencionais, sem ousar pensar o bloco como uma economia interligada. O discurso sobre reformar a governança global soa repetido, mas raro é ver o bloco explicar como pretende exercer influência real sobre organismos como FMI ou Banco Mundial, além de reivindicar cotas de voto maiores.

Mesmo temas em que haveria espaço para uma frente comum, como mudanças climáticas ou pandemias, dissolvem-se em declarações que carecem de compromissos concretos. A presidência brasileira tentou contornar esse vácuo buscando pontos de consenso em saúde pública e combate à pobreza, um gesto pragmático, mas que revela a dimensão modesta das ambições do bloco, sempre refém do mínimo denominador comum.

A ausência de líderes centrais nesta cúpula é outro sintoma. O dirigente da China, Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o ditador do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, todos ficam de fora, cada um por suas razões.

Brasil e Índia ganham momentaneamente espaço para ditar o tom, mas o espaço real de manobra é curto quando faltam mecanismos para garantir continuidade de decisões de um ano para o outro. Assim, o Brics se vê condenado a repetir o mesmo script: fotografias, declarações e promessas vagas de que, no futuro, falará em nome do Sul Global.

Neste fim de semana, quando se abrirem as cortinas no Rio, o que estará em jogo não é a adesão de novos sócios nem o ritual diplomático, mas, sim, saber se o bloco ousará, enfim, transformar discurso em ação.

Porque sem resultados palpáveis, o Brics continuará a arrastar sua relevância de encontro em encontro, desperdiçando a chance de ser mais do que uma sigla que, até aqui, fala muito sobre o mundo, mas pouco faz por ele.


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Fonte: Folha de São Paulo

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