Kilmar Abrego Garcia, que foi preso nos Estados Unidos e deportado por engano para seu país natal, El Salvador, relatou à Justiça ter sido vítima de maus-tratos na penitenciária de segurança máxima em que ficou detido, conhecida por abrigar membros de gangues.
No processo, apresentado à Corte Distrital de Maryland na quarta-feira (3), os advogados dizem que ele foi espancado, passou por tortura psicológica e ficou em uma cela superlotada no Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), controversa prisão construída pelo presidente salvadorenho, Nayib Bukele.
Garcia foi detido em março de 2025 por agentes do ICE, o serviço de imigração americano, enquanto dirigia com seu filho no estado de Maryland. Três dias depois, sem aviso prévio, processo legal ou audiência, ele foi deportado para El Salvador —país de onde havia fugido ainda adolescente em decorrência da violência de gangues.
A deportação ocorreu apesar de uma ordem judicial vigente que proibia sua remoção do território americano. O governo dos EUA posteriormente admitiu que o episódio foi resultado de um erro administrativo.
O documento apresentado à Justiça afirma que o migrante perdeu 14 quilos nas duas primeiras semanas em que ficou preso. Segundo o relato, Garcia foi forçado a ficar de joelhos, ao lado de outros detentos, por nove horas seguidas assim que chegou ao local. Se alguém caísse por exaustão, era agredido pelos guardas, ainda de acordo com o processo.
Além disso, os advogados afirmam que ele ficou em uma cela superlotada sem janelas, com luzes acesas 24 horas por dia e acesso mínimo a condições de higiene. As acusações também falam em privação de sono, alimentação inadequada e tortura psicológica.
Após cerca de uma semana, segundo o documento, doze detentos que tinham tatuagens relacionadas a gangues foram transferidos para outra cela —os advogados de Garcia negam que ele tenha qualquer vínculo com facções criminosas.
O processo afirma que os guardas ameaçaram transferir Garcia para uma das celas com membros das facções —segundo o documento, ele presenciou diversas agressões violentas entre membros de gangues, sem qualquer intervenção por parte dos guardas.
Garcia foi devolvido aos EUA no mês passado e está preso desde então enquanto aguarda julgamento do caso. Ele agora é acusado de transportar imigrantes em situação irregular dentro dos EUA em um esquema que teria durado quase dez anos e que teria tido o envolvimento da facção salvadorenha MS-13.
A imprensa americana já havia relatado que Garcia foi detido, em novembro de 2022, em uma rodovia no estado do Tennessee dando carona para oito pessoas que não tinham bagagem —um indício de possível irregularidade. Ele foi liberado logo em seguida pela polícia.
Sua defesa diz que as acusações são falsas e que era comum que o salvadorenho, que trabalhava com construção civil, desse carona a colegas que viajavam em busca de trabalho.
O caso se tornou um dos mais emblemáticos da campanha de Donald Trump para deportar o maior número possível de imigrantes em situação irregular.
A proporção foi tamanha que Garcia recebeu uma visita na cadeia do senador do Partido Democrata Chris van Hollen, do estado de Maryland. Depois de negar o acesso do senador à prisão, o governo Bukele acabou permitindo que os dois se encontrassem no hotel onde o político se hospedava.
O caso chegou à Suprema Corte dos EUA, que determinou que o governo Trump tomasse medidas para “possibilitar o retorno” de Garcia ao país. O termo vago virou alvo de disputa entre a Casa Branca, a oposição e instâncias inferiores —o governo dizia que a decisão significava apenas que, se Garcia “se apresentasse” em uma fronteira americana, sua entrada “seria possibilitada”, mas que o Executivo não tinha obrigação de fazer nada além disso.
A decisão do Departamento de Justiça de devolvê-lo aos EUA para enfrentar acusações criminais pode ser interpretada como uma possível saída para o governo Trump de seu crescente confronto com o judiciário, que questiona se a gestão teria cumprido, ou não, uma ordem para facilitar o retorno de Abrego.
Os críticos do presidente republicano dizem que sua rápida remoção sem uma audiência mostrou que o governo priorizou o aumento das deportações em detrimento do devido processo legal, o princípio fundamental de que as pessoas nos EUA, sejam elas cidadãs ou não, podem contestar as ações governamentais contra elas nos tribunais.