Em uma noite gelada de janeiro, Zohran Mamdani, um desconhecido deputado estadual candidato à Prefeitura de Nova York, subiu num carrinho de comida halal no Zuccotti Park, em Manhattan, pedindo um prato de frango com arroz.
Com as câmeras gravando, o jovem democrata devorou a comida enquanto explicava, em termos simples, como o sistema arcaico de licenciamento da cidade prejudicava os vendedores e alimentava a “inflação halal”.
O vídeo de 90 segundos viralizou —e também foi um sinal claro do alcance crescente do candidato. Mahmoud Mousa, o vendedor egípcio que apareceu ao lado dele nas cenas, contou que amigos, vizinhos e familiares do Brooklyn o bombardearam com perguntas sobre o candidato de 33 anos de terno e gravata.
“Os políticos nunca se importam com os nossos problemas”, disse Mousa em entrevista na semana passada. “Mas ele diz que vai cuidar da forma como eu vivo.”
Cinco meses depois, esse episódio mostra como Mamdani, um socialista democrático, quebrou o padrão político de Nova York e conseguiu uma virada impressionante para vencer a indicação democrata à prefeitura, superando rivais muito mais experientes, incluindo o ex-governador Andrew Cuomo.
A vitória estremeceu a política americana —empolgou os progressistas, alarmou líderes do partido e deu munição aos republicanos para atacar os democratas. Também preparou o terreno para uma disputa acirrada nas eleições gerais contra o atual prefeito, Eric Adams, já que Mamdani agora enfrenta uma classe empresarial hostil e muitos nova-iorquinos judeus alarmados com suas críticas duras à guerra de Israel na Faixa de Gaza.
Mas tudo isso esconde uma pergunta central: como um imigrante muçulmano quase desconhecido, com um currículo modesto, passou de 1% nas pesquisas para derrotar um gigante democrata?
A resposta tem muito a ver com a simpatia natural de Mamdani, sua aparência jovial e estilo vibrante. Outros fatores importantes foram sua decisão de ignorar dúvidas iniciais de aliados, a campanha sem brilho de Cuomo e a aliança que Mamdani construiu com seus rivais progressistas, que surpreendentemente escolheram se unir contra Cuomo em vez de canibalizar o apoio uns dos outros.
Patrick Gaspard, conselheiro de prefeitos e presidentes que orientou discretamente Mamdani, disse que o apoio que o democrata recebeu lembrava a reação à campanha de David Dinkins, que se tornou o primeiro prefeito negro de Nova York.
“Esta é a primeira campanha desde 1989 em Nova York em que vi voluntários reais, de carne e osso, indo às ruas e dialogando com seus vizinhos”, afirmou.
“Os democratas geralmente soam como faladores de sermão hoje em dia, e ele era um ouvinte cinético”, acrescentou Gaspard. “As pessoas se viam naquela aspiração. Diziam: ‘Sim, este cara está fazendo as perguntas certas.’”
No fim, a magnitude da vitória surpreendeu até o próprio Mamdani. Quando as urnas fecharam na noite das primárias, ele esperava dias de apuração. Em vez disso, ele e seus assessores passaram 90 minutos reescrevendo às pressas o discurso de vitória, que começou com uma citação de Nelson Mandela.
“Sempre parece impossível”, declarou Mamdani de um terraço em Queens na noite da eleição, “até que seja feito.”
‘Um Teto de Talvez 20%’
Algumas campanhas começam com um ar de inevitabilidade. Mas quando começou, em outubro do ano passado, a de Mamdani parecia mais uma curiosidade.
Filho de uma renomada cineasta indiana e de um professor da Universidade Columbia, ele já havia conquistado certa reputação como um mensageiro criativo em Albany. Fez uma greve de fome de 15 dias para ajudar a garantir alívio da dívida a motoristas de táxi e causou impacto ao propor uma legislação que restringia o apoio de ONGs a assentamentos israelenses.
Mas, após dois mandatos, tinha pouco poder e era quase desconhecido fora de seu distrito em Queens. Mesmo alguns de seus aliados mais próximos temiam, em conversas reservadas, que sua candidatura acabasse atrapalhando Brad Lander, o controlador municipal visto na época como o principal concorrente progressista de Eric Adams.
A campanha de Mamdani mal tinha começado quando surgiram tensões dentro do Democratic Socialists of America (DSA), grupo pequeno, mas influente, conhecido por lançar a carreira de Alexandria Ocasio-Cortez.
O capítulo de Nova York acabou decidindo apoiá-lo, mas membros eleitos de destaque como Tiffany Cabán (vereadora) e Emily Gallagher (deputada estadual) temiam que a candidatura se tornasse um vexame e desviasse recursos de disputas mais viáveis.
Mamdani, porém, não esperou ser ungido.
Com um pequeno grupo de assessores quase tão jovens quanto ele —incluindo sua chefe de gabinete, Elle Bisgaard-Church; o ex-chefe de gabinete de Gallagher Andrew Epstein; e Morris Katz, um operador recém-saído da campanha independente ao Senado de Dan Osborn em Nebraska— Mamdani queria desafiar as regras sagradas da política nova-iorquina.
“Nossa campanha era para vencer, não apenas para marcar posição,” disse Bisgaard-Church. “Sabíamos que, se fizéssemos do jeito certo, poderíamos começar a construir uma esquerda saudável.”
Mamdani focou os eleitores jovens, um grupo volátil que muitas vezes não comparece às primárias. Defendeu sua ligação com o DSA e suas críticas a Israel —posições que mobilizaram a esquerda, mas que podiam afastar parte do eleitorado judeu da coalizão democrata tradicional. E defendeu sem rodeios o aumento de US$ 10 bilhões em novos impostos.
Mesmo assim, até seus aliados mais próximos, como o senador Jabari Brisport, que dividia apartamento com Mamdani em Albany, tinham dúvidas sobre sua capacidade de ir além da base jovem e da esquerda.
“Achei que um socialista concorrer à prefeitura teria um teto de talvez 20%, no máximo,” disse Brisport.
Uma disputa de dois homens
Andrew Cuomo, 67, acompanhava com entusiasmo a ascensão de Mamdani.
Ele havia entrado na disputa em março com um certo ar de inevitabilidade. Apesar de ter renunciado quatro anos antes devido a denúncias de assédio sexual (que ele nega), tinha um histórico longo de realizações e rapidamente garantiu apoio de grandes grupos empresariais e sindicais.
Agora, o ex-governador via em um socialista democrático como Mamdani um adversário com teto eleitoral mais baixo que Lander ou outros concorrentes, e passou a atacá-lo com força, citando sua inexperiência e antigo apoio a cortes no orçamento da polícia.
“Donald Trump passaria por cima do Mamdani como faca quente na manteiga,” disse Cuomo. “Ele está no governo há 27 minutos.”
As campanhas não poderiam ser mais diferentes. Cuomo saíra do exílio político com mensagens de que Nova York estava à beira de um colapso por causa do crime e da falta de moradia —e que só ele poderia resolver. Confiava nos sindicatos e num super comitê político de US$ 25 milhões financiado por doadores corporativos, e fez poucas aparições públicas.
Durante boa parte da corrida, as pesquisas indicavam que sua estratégia estava funcionando. Mas, à medida que a preocupação com o crime deixava de ser prioridade para os eleitores, Mamdani reverteu a narrativa, colocando Cuomo como símbolo de um passado ultrapassado e do poder do dinheiro na política.
No debate final, quando Cuomo repetidamente pronunciou seu nome errado, Mamdani viu uma oportunidade para viralizar: “O nome é Mamdani. M-A-M-D-A-N-I,” soletrou ele. “Você deveria aprender a dizer.”
Uma aliança decisiva
Embora relutasse em admitir publicamente, a ascensão de Mamdani foi uma decepção amarga para Brad Lander.
Cofundador do bloco progressista no Conselho Municipal e o único funcionário municipal em exercício nas primárias, Lander, 55, entrou na corrida esperando ser o nome da esquerda —apenas para ver seus aliados migrarem para Mamdani.
Mas, duas semanas antes do dia da eleição, ele tomou uma atitude incomum entre políticos: fez o que os progressistas falharam em fazer na disputa vencida por Adams quatro anos antes.
Na véspera do último debate, Lander e Mamdani se encontraram no restaurante libanês Yara, no centro de Manhattan, com seus assessores e com Patrick Gaspard (estrategista político). Entre pratos de fattoush, homus e berinjela, os dois decidiram se apoiar mutuamente para derrotar Cuomo.
A campanha de Mamdani já vinha buscando um endosso cruzado com Adrienne Adams, presidente da Câmara Municipal, por causa de sua base entre eleitores negros mais velhos. Eles chegaram a ter pelo menos três conversas diretas, nas quais Mamdani argumentou que a parceria poderia ser decisiva contra Cuomo —mas Adrienne hesitou.
Lander, por outro lado, embarcou de vez. Eles discutiram como Lander poderia usar recursos de sua campanha para atacar Cuomo nos últimos dias. No debate seguinte, os dois se uniram para destacar as acusações de assédio sexual que levaram à renúncia do ex-governador.
Um imprevisto tardio e uma longa caminhada
As críticas contundentes de Mamdani a Israel e à guerra em Gaza vinham surgindo periodicamente durante a campanha por meses. Mas, exatamente uma semana antes das primárias, elas desencadearam uma tempestade política.
Durante uma entrevista em um podcast, ele foi questionado se a frase “globalize a intifada” o deixava desconfortável. Ele se recusou a condená-la. Palestinos e seus apoiadores consideram a expressão um grito de libertação, mas muitos judeus a veem como um apelo à violência, evocando os movimentos de resistência palestina das décadas de 1980 e 2000.
Na manhã seguinte, a reação negativa havia alcançado tal intensidade que ameaçava paralisar o impulso da campanha de Mamdani. O Museu do Holocausto dos EUA classificou os comentários como “ultrajantes e especialmente ofensivos”. O deputado Dan Goldman, democrata de Nova York e judeu, praticamente afirmou que a posição de Mamdani o tornava inelegível.
Poucos democratas venceram eleições recentes em Nova York sem apoio significativo dos eleitores judeus. A campanha de Cuomo rapidamente passou a alimentar a sensação de indignação.
Na manhã seguinte, Mamdani convocou uma coletiva de imprensa no Harlem para anunciar o apoio de Maya Wiley, ex-candidata à prefeitura em 2021. Ele desabou em lágrimas ao falar sobre a crescente onda de ameaças de morte que vinha recebendo, muitas fazendo referência à sua fé muçulmana.
“Recebo ameaças contra minha vida, contra as pessoas que eu amo”, disse ele, antes de acrescentar que tinha preocupações muito reais sobre o antissemitismo.
Lander, que é judeu funcionário do alto escalão da cidade, defendeu Mamdani, acusando Cuomo de usar o antissemitismo como arma política, o que ajudou a acalmar a apreensão entre alguns aliados.
A equipe de Mamdani ainda estava em alerta alguns dias depois, quando Julian Gerson, seu diretor político, sugeriu um último gesto para chamar a atenção dos nova-iorquinos: uma caminhada por toda a extensão de Manhattan na noite anterior ao dia das primárias.
“Estamos nas ruas porque os nova-iorquinos merecem um prefeito que eles possam ver, ouvir”, disse Mamdani ao partir de Inwood por volta das 19h.
Os assessores estavam preocupados que o candidato pudesse ser hostilizado ou confrontado no Upper West Side, região com uma grande população judaica.
Mas, conforme ele seguia em direção ao sul, transmitindo boa parte da caminhada nas redes sociais, apoiadores corriam até ele —tirando selfies, dando tapinhas nas costas, batendo punhos. Alguns disseram que haviam se registrado para votar apenas para apoiá-lo.
Nicholas Fandos
, Jeffery C. Mays
, Emma G. Fitzsimmons
e Benjamin Oreskes