As pesquisas mostram que o presidente Lula enfrenta um cenário desafiador em seu terceiro mandato: sua aprovação está abaixo dos níveis registrados entre 2003 e 2010. Apesar de indicadores econômicos positivos —como crescimento do PIB, redução do desemprego e aumento da renda—, o apoio ao governo permanece instável. Parte desse descompasso é atribuída à crescente preocupação com a corrupção, que voltou a ser considerada o principal problema do país, superando até mesmo a criminalidade.
A percepção negativa se intensificou com a repercussão de um escândalo envolvendo o desvio de aposentadorias por meio de um esquema com participação de servidores do INSS. Embora criado no governo anterior, o esquema foi desmantelado pela Polícia Federal e pela CGU —órgãos fortalecidos no atual governo. Lula afastou a cúpula do ministério envolvido e prometeu ressarcir os prejuízos. Mesmo assim, houve desgaste político e a perda de apoio de um partido da base aliada.
Paradoxalmente, em vez de reconhecimento pelo combate à corrupção, o governo tem sido penalizado. Parte da imprensa associou o escândalo diretamente ao atual presidente, ignorando que a apuração foi conduzida por instituições sob sua gestão. Isso gera um incentivo perverso: revela-se um problema, mas quem o expõe sofre as consequências políticas, enquanto quem o esconde pode lucrar eleitoralmente.
Esse paradoxo favorece figuras como Jair Bolsonaro, cujo governo enfraqueceu órgãos de controle e, apesar de investigações em curso, sustentava que “não havia corrupção”. Essa narrativa, embora falsa, teve impacto, pois o que não se revela tende a ser percebido como inexistente. A falta de transparência, portanto, pode se transformar em capital político.
Na ciência política, a lógica democrática exige que governos conquistem apoio popular por meio de resultados. A opinião pública direciona políticas, define prioridades e influencia decisões. Entre os compromissos esperados, está o combate à corrupção — que deve ser tratado como política pública, com planejamento, recursos e fortalecimento institucional. Isso inclui dar autonomia aos órgãos de controle, ampliar a transparência e responsabilizar agentes corruptos.
No entanto, o sucesso nessa área pode gerar um efeito colateral: aumentar a percepção de que a corrupção cresceu, justamente porque mais casos vêm à tona. É o chamado “efeito visibilidade”. Quanto mais operações, prisões e escândalos são expostos, maior a impressão de que tudo está piorando — mesmo que essas ações sejam sinais de que as instituições estão funcionando.
Esse fenômeno também questiona a utilidade de índices de “percepção da corrupção”, como os da Transparência Internacional, que não medem a corrupção real, mas sim a impressão pública, muitas vezes distorcida por uma imprensa sensacionalista ou pouco analítica.
O papel do jornalismo é fundamental nesse contexto. É necessário investigar e fiscalizar o Poder, mas também é preciso responsabilidade na divulgação das informações. Ao não distinguir quem cometeu o erro de quem o combateu, corre-se o risco de punir justamente os que tentam corrigir o sistema.
Assim, o desafio é duplo: para os governos, que devem decidir entre enfrentar a corrupção ou evitar desgaste político; e para a imprensa e a sociedade, que precisam reconhecer que o barulho causado por ações corretas pode, na verdade, ser sinal de que a democracia está funcionando.
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