O cessar-fogo foi descrito por analistas distraídos como um triunfo de Trump e Netanyahu. De fato, proporcionou ao regime teocrático extrair da derrota militar uma vitória política. Os dois objetivos da guerra deflagrada por Israel eram destruir o programa nuclear do Irã e promover uma mudança de regime em Teerã. Nenhum deles foi atingido. Pior: as megabombas dos EUA enviaram ao Irã a mensagem errada sobre o artefato nuclear.
Trump oscilou entre posições polares, evidenciando sua incompetência nos domínios da política externa. No início, permitiu o ataque israelense às vésperas de uma nova rodada de negociações EUA/Irã, devastando a credibilidade da palavra da Casa Branca. Em seguida, tentou em vão utilizar os bombardeios de Israel para impor ao Irã um acordo de “enriquecimento zero”, que equivaleria à capitulação.
Saltando entre a guerra e a paz, o presidente americano procurava conciliar seu apoio irrestrito a Israel com suas promessas de manter os EUA longe de conflitos bélicos. No momento decisivo, cedeu a Netanyahu, lançou as megabombas sobre Fordow e pronunciou uma exigência de mudança de regime. Horas mais tarde, diante de uma retaliação cenográfica iraniana, impôs a Israel o cessar-fogo e profetizou a inauguração de uma paz eterna.
O cessar-fogo apoiou-se no pilar da mentira. Segundo Trump, as megabombas “obliteraram” Fordow, algo desmentido por um relatório preliminar de inteligência americana. Há indícios de que, antes do bombardeio, o Irã removeu 408 quilos de urânio enriquecido. Ninguém conhece a extensão dos danos às centrífugas encravadas nas profundezas.
Israel deflagrou seus ataques eliminando alvos militares. Temendo uma insurreição popular, o regime desativou a internet. Nos dias subsequentes, os bombardeios alastraram-se para infraestruturas energéticas e áreas civis, o que removeu a hipótese de um levante de massas. Então, o repúdio à agressão externa foi vocalizado até mesmo por destacadas lideranças opositoras que passaram anos nas prisões.
A campanha militar não provocou mudança, mas enrijecimento do regime. Khamenei, o Líder Supremo, escondeu-se num bunker, delegando as decisões aos chefes militares. O núcleo do poder começou a deslocar-se do clero xiita para os líderes mais radicais da Guarda Revolucionária. Sob o álibi da repressão a espiões israelenses, opositores voltaram a ser aprisionados. O pavor das bombas israelenses dá lugar ao medo perene instaurado pelas forças de segurança.
Durante duas décadas, o Irã escolheu manter uma ameaça nuclear apenas latente, confiando na suposta segurança oferecida pelas milícias estrangeiras do “eixo da resistência”. Meses atrás, Israel eliminou o Hezbollah como força combatente, decapitando o “eixo da resistência”. Despido de sua armadura, após uma humilhação militar de 12 dias infligida por dois Estados nucleares, o Irã inclina-se a reavaliar suas opções à luz de experiências já clássicas.
Os tiranos do Iraque e da Líbia renunciaram à trilha do átomo e foram derrubados por intervenções dos EUA. Já a Coreia do Norte construiu um arsenal nuclear e seu regime sobrevive intocado. Resta aos radicais do regime iraniano a conclusão de que a salvação reside na posse da bomba. A substituição da diplomacia pelas megabombas patrocina um tratado tácito de proliferação nuclear.
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