Na fotografia estão todos sorrido. Os olhos dele transmitem ternura, inocência de criança prestes a entrar na adolescência. Os últimos registros são de 2022, quando completou 11 anos. Para a comemoração, o pai decidiu por uma declaração pública no Facebook: “Filho amado, você é mais do que um filho, é um companheirinho, um amigão. És o meu amor”. Esse filho foi apreendido anteontem, aos 14 anos, após confessar um crime. Na verdade, foram três: os assassinatos da mãe, do irmão de 3 anos e desse pai apaixonado.
Na publicação, o pai destacou que o filho era “um aluno exemplar” e um “irmão cuidadoso”. Era motivo de alegria, benção e “pura ternura”. A descrição parece incompatível com a avaliação do delegado Carlos Augusto Guimarães, titular da 143ª DP (Itaperuna), responsável pelo caso. Para ele, o menino é frio e calculista, ausente de remorso.
No aniversário de 10 anos, o pai repetiu o feito. Na declaração amorosa, chamou o menino de “anjo de deus”, afirmando que ele era “10” em seu coração. O rosto dele, ainda de criança, em muito lembrava o pai, principalmente os olhos e o nariz.
À polícia, na última quarta-feira, o adolescente não expôs de forma clara a motivação do crime. No entanto, contou como tudo aconteceu. Na noite do último sábado, dia 21, esperou toda a família dormir, pegou a arma do pai, que tinha registro como CAC, e matou um por um. Depois, levou os corpos até uma cisterna.
O delegado explicou que o menino vai responder por fato análogo ao crime de triplo homicídio e ocultação de cadáver. Após decisão da Justiça, na tarde dessa quinta-feira, ele será encaminhado para uma das unidades do sistema socioeducativo do Rio.
Registro por desaparecimento
O caso chegou à polícia na terça-feira (24), quando a avó paterna do adolescente foi com ele até a delegacia para registrar o desaparecimento da família. Aos agentes, ela contou que tentava contato desde sábado, mas ninguém atendia.
Na ocasião, o garoto disse à polícia que o irmão tinha se engasgado com um caco de vidro, e que os pais teriam saído de casa às pressas para socorrê-lo. Eles pegaram um carro de aplicativo e não mais voltaram para casa. A partir dessas informações, uma equipe da 143ª DP percorreu os hospitais da cidade, mas não encontrou qualquer registro em nome da família.
Com isso, o delegado solicitou perícia na casa, que aconteceu na manhã desta quarta. No imóvel, os policiais encontraram manchas de sangue no colchão do casal, além de roupas ensaguentadas e com focos de queimado. Um forte odor de putrefação levou os agentes até uma cisterna no exterior da propriedade, onde localizaram os corpos.
— A quantidade de sangue era incompatível com o acidente doméstico que ele narrou para a gente. Depois que localizamos o corpo, ele confessou o crime. Disse ter dado um tiro na cabeça do pai e da mãe; no irmão, foi no pescoço. Perguntamos porque ele matou o menino, e ele disse que foi para poupá-lo da perda dos pais — revelou o delegado.
Motivações do crime
O delegado trabalha com duas linhas de investigação. A primeira diz respeito a um namoro virtual que o adolescente mantinha com uma menina de 15 anos do Mato Grosso, que era desaprovado pelos pais. Ela teria dado um ultimato nele, forçando-o a se encontrar com ela nesse estado. No entanto, a família do garoto teria proibido a viagem, o que o motivou a cometer os assassinatos.
— Durante a perícia, encontramos uma bolsa de viagem já pronta para viajar. Nela, estavam os celulares das vítimas. O adolescente não deu muitos detalhes sobre a namorada, mas falou que eles se conheceram nesses jogos online. Nós entramos em contato com a polícia do Mato Grosso para localizarem a menina — completou.
Por outro lado, os policiais descobriram que o adolescente pesquisou no celular sobre “como receber FGTS de falecido”. O pai teria direito a receber R$ 33 mil.
— A gente perguntou a ele o que era essa pesquisa, e ele contou que fez depois do crime. Nós não sabemos ainda se essa foi a motivação, mas, independente de ter sido essa ou o namoro, ambas configuram motivo fútil. Ele tem muito o que responder na Justiça.
Arma estava embaixo do colchão dos pais
À polícia, o adolescente contou que estava dormindo no quarto dos pais porque era o único cômodo com ar-condicionado. Para se manter acordado, ele tomou um pré-treino e esperou a família adormecer para cometer o crime. A arma, que pertencia ao pai, estava escondida embaixo do colchão do casal.
Após matar a família, o garoto contou que passou um produto de limpeza no chão até a cisterna, o que o ajudou a arrastar os corpos.
— Pelo que a gente percebeu na casa, a cisterna ficava entre 4 a 5 metros de distância do quarto. Não era muito longe — disse o policial.
A arma usada pelo adolescente foi apreendida na casa da avó. Ela contou a polícia que encontrou o objeto na casa do neto e a recolheu com medo de que ele pudesse se machucar. Os agentes acreditam que ela não participou e nem sabia do crime.
— Ele foi muito espontâneo ao contar como cometeu os crimes. É um menino frio, sem remorso. Perguntamos se ele se arrependia, e ele disse que não, que faria tudo de novo. As respostas que ele nos deu foram rápidas e o tempo todo ele se autoafirmava como homem. Tinha um “que” de psicopatia. Ele pode ter premeditado tudo ou é um menino muito inteligente — concluiu o delegado.