O Qatar, pequeno país do Golfo Pérsico que busca se consolidar como potência regional, interceptou nesta segunda-feira (23) mísseis do Irã direcionados contra a base aérea de Al-Udeid, a maior instalação militar dos Estados Unidos no Oriente Médio. Engana-se, porém, quem pensa que Doha é adversária geopolítica de Teerã: os países mantêm boas relações diplomáticas e, nos últimos dias, até aumentaram os diálogos entre si.
Após abater os mísseis, o governo qatari disse que o ataque representou uma violação da sua soberania e de seu espaço aéreo. Também afirmou que o país tem o direito de responder ao que chamou de agressão descarada feita pelo Irã, num aceno aos EUA de Donald Trump. Mas o Qatar não tem histórico de conflitos armados e, na crise ora em curso, apresenta-se como um mediador em potencial —no sábado (21), Doha também criticou os bombardeios feitos por Washington contra instalações nucleares iranianas.
Horas após a retaliação iraniana, considerada coreografada, já que Teerã avisou sobre a ação com antecedência, Trump anunciou ainda nesta segunda uma trégua na guerra entre Israel e Irã após 12 dias de troca de fogo aéreo. Segundo relatos, ele negociou o cessar-fogo com mediação do Qatar.
Doha tem boas relações com potências da Otan, abrigando bases militares de EUA e Turquia, ao mesmo tempo em que dialoga com o Irã, rival dos americanos, e grupos fundamentalistas como a Irmandade Muçulmana e o Talibã, que tem até uma representação em Doha.
Diversificada, a política externa qatari visa garantir a segurança e evitar o isolamento político do país em função de seu tamanho e posição territorial: o Qatar tem 11,5 mil quilômetros quadrados, metade da área de Sergipe, e menos de 3 milhões de habitantes, similar ao Mato Grosso do Sul. Geograficamente, ainda enfrenta limitações em função de a única fronteira terrestre se dar com a Arábia Saudita.
Para o Irã, a relação com o Qatar representa uma brecha para o diálogo com o mundo árabe sunita, majoritariamente hostil ao regime iraniano, uma teocracia da vertente xiita. Teerã vê em Doha, portanto, uma ponte para atenuar seu isolamento diplomático e econômico, especialmente diante das sanções ocidentais e das pressões lideradas pelos EUA e por países do Golfo.
Essa aproximação não implica alinhamento automático. O Qatar tem mantido uma política externa independente, abrindo canais com o Irã ao mesmo tempo em que abriga a maior base militar dos EUA no Oriente Médio. Além disso, tem investido em diálogos com grupos bastante distintos —incluindo Talibã, Hamas e autoridades israelenses— o que lhe credencia para atuar como mediador regional.
Não à toa, Doha e Teerã aumentaram os diálogos após os ataques de Israel contra instalações nucleares do Irã, no último dia 13. Menos de 24 horas após a ofensiva, autoridades dos dois países se encontraram no Qatar para “explorar maneiras de aprimorar e desenvolver” as relações bilaterais, segundo nota oficial.
Num cenário mais amplo do Oriente Médio, o Qatar busca se projetar como uma potência diplomática e energética, mesmo sem o poder militar ou populacional de vizinhos como a Arábia Saudita ou o Irã. Já Teerã se apresenta como o polo de resistência às potências ocidentais e ao domínio saudita na região, apoiando grupos extremistas em países como Síria, Líbano, Iraque e Iêmen.
As relações entre Irã e Qatar, portanto, não se baseiam em afinidades ideológicas, mas em pragmatismo.
Ainda assim, as tensões regionais não são estranhas para Doha. Em 2017, a Liga Árabe, sob a liderança da Arábia Saudita, rompeu relações com o país e impôs um bloqueio aéreo, sob a justificativa de que o Qatar mantinha vínculos com o regime iraniano e apoiava o terrorismo. As sanções foram suspensas antes da Copa do Mundo de 2018, e a reconciliação entre as nações foi formalizada em 2021.