Uma reportagem do jornal israelense Haaretz apontou que comunidades árabes beduínas do sul de Israel, que vivem em vilarejos muitas vezes não reconhecidos por Tel Aviv, não têm acesso a abrigos antibomba e estão, dessa forma, mais vulneráveis a ataques de mísseis do Irã.
O jornal entrevistou cidadãos árabe-israelenses que vivem em cinco localidades no sul do país e que, sem infraestrutura para se proteger dos ataques iranianos, abrigam-se debaixo de pontes e em prédios abandonados —ou viajam até a comunidade judaica mais próxima para procurar um abrigo ou dormir em garagens subterrâneas.
No vilarejo de Dahiya, moradores construíram um abrigo antibomba improvisado com recursos próprios —trata-se de um bloco de concreto, pequeno demais para abrigar mais de uma família. Quando receberam alertas da Defesa Civil de que deveriam se proteger e ouviram as sirenes anunciando ataque aéreo, os homens de Dahiya decidiram enviar mulheres e crianças para o abrigo improvisado, enquanto eles próprios procuraram valas ou pontes sob as quais pudessem se esconder.
Algumas casas no vilarejo de Qasr al-Sir foram destruídas por mísseis iranianos, disse ao Haaretz o morador Ibrahim al-Gharibi. Outras já estavam em processo de demolição pelo Estado de Israel, que considera al-Sir um assentamento ilegal.
Quando as explosões começaram, disse Gharibi, ele tentou acalmar seus vizinhos —sem sucesso. “As crianças gritaram a noite toda. Algumas pessoas correram para valas ou pontes, enquanto outras só ficaram paradas no meio da rua, dizendo: ‘Vamos morrer aqui. Não há nada que possa ser feito.'”
Já na vila de al-Fura, onde não há nem um abrigo improvisado, a família de Mohammad al-Hassouni se escondeu em túneis debaixo de uma rodovia perto da sua casa, segundo o Haaretz. A filha de Hassouni, Amina, foi uma das poucas civis israelenses feridas nos ataques iranianos de abril de 2024.
Estilhaços de um míssil atravessaram o teto da casa da família e atingiram Amina, que vive em uma cadeira de rodas desde então. Ela e a mãe passaram a morar na cidade de maioria judaica de Adan, em um apartamento alugado que é acessível para a cadeira de rodas.
A situação dos árabe-israelenses no sul do país é dificultada pelo fato de que muitos vivem em vilarejos beduínos que existiam antes da criação do Estado de Israel, em 1948, e que até hoje não são oficialmente reconhecidas pelo governo em Tel Aviv.
De acordo com organizações árabes locais, o não reconhecimento é uma tentativa de forçar os habitantes a deixarem suas terras —apesar de serem cidadãos de Israel, árabes beduínos que vivem em vilarejos não reconhecidos não têm o direito de eleger representantes locais e não têm acesso a serviços públicos como eletricidade, saneamento básico e coleta de lixo. Algumas vilas também sofrem demolições forçadas de casas.
Israel diz que casas só são demolidas em último caso, quando famílias se recusam a deixar terras que Tel Aviv considera “de propriedade do Estado”. Desde os anos 1970, o governo israelense busca atrair árabes beduínos para cidades planejadas.
Adnan, morador de Dahiya, disse ao Haaretz que os mísseis iranianos são só uma das ameaças existenciais que os beduínos enfrentam hoje. “O nosso próprio governo, liderado pelo [primeiro-ministro Binyamin] Netanyahu, quer destruir nossas casas. Não temos proteção, somos invisíveis. Ninguém nos enxerga como israelenses. Eles só vem aqui para destruir, nunca para ajudar. Só queremos viver em segurança.”
Com o passar das décadas, alguns vilarejos conquistaram reconhecimento, mas eles ainda não têm o mesmo nível de proteção contra mísseis do que comunidades judaicas. O problema se repete no norte do país, outra região com concentração de vilarejos de maioria árabe.
Em 2024, o Haaretz mostrou que a cidade judaica de Carmiel, com 55 mil habitantes, tinha 126 bunkers públicos. O vilarejo judaico de Mikhmanim, com 600 habitantes, contava com dois abrigos antibomba. Já a vila árabe de Deir al-Asad, com 14 mil habitantes, contava com apenas um bunker, e Nahf, com população semelhante, não tinha nenhum.
Os árabe-israelenses representam cerca de 20% da população de Israel, ou 2 milhões de pessoas.