Martha’s Vineyard, uma ilha no oceano Atlântico a 150 km de Boston que atrai turistas e celebridades, tornou-se também um lugar cativo para uma parcela de brasileiros que quer migrar aos Estados Unidos, em um fluxo existente há pelo menos 40 anos.
Desde janeiro deste ano, a segurança e promessa de melhoria de vida promovida pelo local, porém, foram perturbadas pela promessa de Donald Trump de fazer a maior deportação da história do país. Moradores relatam clima de terror com o receio de serem detidos.
O temor se concretizou no fim do mês passado. Em 27 de maio, 40 pessoas foram presas em Martha’s Vineyard e Nantucket, uma ilha vizinha, segundo o ICE (serviço de imigração). O órgão não detalhou todos os nomes dos atingidos, mas uma líder local diz que ao menos 22 brasileiros estavam entre os detidos.
Por meio de grupos em redes sociais, os imigrantes se informam sobre a eventual presença de agentes da imigração. Em ao menos três ocasiões anteriores, a cidade praticamente parou com alertas de que havia policiais por lá. Brasileiros, que trabalham com construção, pintura, limpeza de casas, faltaram ao serviço, e as crianças perderam aula numa semana de testes.
A comunidade está se unindo para tentar reagir como pode, como buscar informações com a imigração e reforçar a linha de ônibus escolares, ainda não atingida pela imigração. Uma parte tem decidido voltar ao Brasil, outras famílias estão assegurando guardiões aos filhos para assegurar que eles não fiquem sós em caso de deportação, e boa parte ainda aposta em ficar por lá, apesar do medo.
Mais de uma dezena de pessoas com as quais a Folha conversou relatam que os agentes surpreenderam a cidade por desembarcarem em um porto diferente de onde sai a balsa para a ilha. A primeira detenção foi às 6h da manhã. Alertados, brasileiros de novo faltaram ao trabalho. Quem já estava na rua buscou matagais para se esconder. Desde então, o clima, definido como “de terror” por ao menos quatro moradores, piorou.
Uma líder da comunidade brasileira na ilha, que não quis se identificar, conta que até hoje um homem que tem antecedentes por dirigir embriagado está fora de casa e se estabeleceu num local próximo a uma floresta com receio da imigração.
Assim como outros pontos de Massachusetts, estado que abriga a segunda maior população brasileira no país —só perde para a Flórida—, o local virou referência para diferentes gerações no Brasil, principalmente de cidades do Espírito Santo e de Minas Gerais. Segundo o estudo da Diáspora Brasil, patrocinado pela Boston Foundation, 12% da população brasileira do estado mora na península de Cape Cod e nas ilhas ao redor, entre elas Martha’s Vineyard.
Dados da avaliação de saúde rural do condado de Dukes de 2021 mostram que 20% da população média anual de 20 mil pessoas (ou seja, cerca de 4.000) são brasileiros.
Eles garantem o funcionamento de Martha’s nas diferentes temporadas do ano, mesmo quando ela esvazia, no inverno. Conhecido por ser um reduto de progressistas, o local paradisíaco é reduto de americanos ricos que vão para lá no verão. O ex-presidente Barack Obama tem uma casa na ilha, que não é estranha aos brasileiros. Diogo (nome fictício), que mora há mais de 20 anos no local, tem uma empresa de pintura e já trabalhou na casa dos Obamas. No dia em que a imigração foi à ilha, ele não foi para o serviço.
Janaina (nome também fictício), 23, que chegou há dois anos na ilha, tampouco saiu de casa. Natural de Mantenópolis (ES), ela tentou o visto americano duas vezes e foi recusada. Contratou um coiote no valor de R$ 120 mil para chegar aos EUA com um acordo de que pagaria a maior parte da dívida enquanto estivesse trabalhando no país. Fez o trajeto passando pela selva de Darién, entre o Panamá e a Colômbia, e entrou pela fronteira com o México há dois anos. Hoje, trabalha com jardinagem e tem conseguido pagar mensalmente o débito, além de ter atingido uma condição melhor de vida.
“Eu fico com medo, trabalho com medo, mas não tenho como voltar. Preciso pagar a dívida com o coiote. Se não fizer isso, eles colocam a gente em risco”, conta.
Elio Silva, 55, é um dos mais antigos brasileiros da ilha. Nascido em Conselheiro Pena (MG), está lá há 37 anos e se tornou cidadão americano. Tem oito negócios, distribuídos entre mercado, padaria, sorveteria e fazenda. Segundo ele, a última vez em que houve uma atuação mais rígida da imigração no local havia sido em 1991. Depois, imigrantes foram apreendidos em períodos esparsos e geralmente em razão de um histórico criminal.
De um modo geral, até então os imigrantes se sentiam protegidos na ilha. “Como Massachusetts é uma comunidade segura para imigrantes, por vários anos o pessoal se sentiu muito seguro. Então o nível de medo estava zero.”
Para ele, considerando o tamanho da comunidade brasileira que mora ou trabalha na ilha —milhares de imigrantes empregados pegam a balsa e voltam para o continente no fim do dia—, o número de detenções foi pequeno. O problema é o efeito que causa. “É o terror que está sendo criado.”
“Há mais ou menos dois meses, um rapaz da balsa fez uma brincadeira dizendo que tinha uma reserva de seis camburões da imigração. Nesse dia, todos os brasileiros ficaram em casa. O nosso movimento na loja caiu mais ou menos 20%.”
Na última segunda-feira (9), a governadora de Massachusetts, Maura Healey, esteve na ilha e pediu conversas com comerciantes e representantes de escolas para tentar mensurar o impacto das políticas de imigração na região. Disse, segundo Elio, que uma das medidas que tomará será tentar organizar um grupo de advogados para auxiliar os imigrantes assim que detidos, por ser a forma mais eficiente de garantir a soltura.