O debate em curso sobre a liberdade acadêmica das universidades americanas, sob intensa pressão do governo federal sob o segundo mandato de Donald Trump, distrai a atenção de outro fato que afeta a autonomia de inúmeras instituições de ensino superior: sua dependência econômica dos estudantes de outros países.
Os casos de deportação e cancelamento de vistos de universitários estrangeiros já surte efeito no número de inscrições de estudantes que contribuíram para fazer dos Estados Unidos uma potência acadêmica.
O Reino Unido é o principal beneficiado desta fuga e, só no mês de março, as universidades britânicas registraram um salto de 25% em consultas sobre matrículas feitas do exterior, enquanto houve uma queda de 15% de consultas semelhantes nas escolas americanas, no mesmo período, segundo dados da plataforma global Studyportals.
Países de língua inglesa são mais atraentes para estrangeiros, mas dois destinos populares —Canadá e Austrália— estão implementando cortes no número de vistos para estudantes.
A maioria dos americanos não sabe o quanto as anuidades pagas por estrangeiros ajudam a subsidiar o ensino superior no país, especialmente em universidades públicas. Em novembro passado, uma pesquisa da Associação de Educadores Internacionais Nafsa revelou que 1,1 milhão de estudantes de outros países contribuíram com US$ 43,8 bilhões para instituições de ensino americanas no período 2023-24 e estimou que sua presença dá suporte a 378 mil empregos.
Além dos cortes de financiamento do governo federal para programas de ciência, medicina e tecnologia, as instituições acadêmicas americanas enfrentam o assalto de um rival poderoso. A China está jogando uma vasta rede em todo o país e recrutando uma elite de pesquisadores e alunos de pós-graduação com promessas de altos salários e condições vantajosas de trabalho. A mensagem dos chineses é clara: “os fundos que o seu governo cancelou nós vamos restaurar”.
Durante décadas, a primazia dos EUA no recrutamento de cérebros do exterior foi beneficiada pela atração de viver numa democracia multicultural e estável. Uma representante de uma universidade americana de outro estado bateu à minha porta em Manhattan assim que minha adolescente foi aceita pela instituição. Não estava interessada no meu café coado, mas nos avaliando no compromisso de pagar anuidade sem pedir bolsa.
A fuga desses cérebros pode ser temporária, mas também deve atrair atenção para outra questão. O custo anual estratosférico do ensino superior, que pode chegar a US$ 90 mil por ano entre anuidade e moradia em instituições da Ivy League, como Harvard e Columbia, pode se tornar injustificável em programas de graduação.
Um ex-diretor de uma escola particular de elite no Rio de Janeiro afirmou a esta coluna que os americanos sempre estiveram à frente no esforço de procurar talentos na reta final do ensino médio brasileiro. Ele destaca uma vantagem que considera imbatível das universidades americanas: os quatro primeiros semestres sem exigência de área de concentração, quando os alunos podem explorar áreas diversas de conhecimento.
Como quem contribuiu a duras penas para a riqueza de uma universidade privada americana ao longo de quatro anos, não tenho dúvida de que um verdejante campus no bairro carioca da Gávea, teria fornecido, por uma fração do custo, uma educação mais sólida. Já a pós-graduação é outra conversa.
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