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EUA: universidades se tornaram dependentes do governo – 20/04/2025 – Mundo

Ao longo de mais de oito décadas, universidades americanas e o governo federal se entrelaçaram em um abraço cada vez mais apertado.

Os Estados Unidos queriam construir as bombas mais poderosas e curar as doenças mais graves. Queriam ser os primeiros a explorar os limites do sistema solar. Queriam cultivar colheitas mais eficientes. E, por isso, ofereceram milhões —e depois bilhões— a pesquisadores de universidades em todo o país.

As universidades aceitaram o dinheiro. Construíram os melhores laboratórios e atraíram professores e alunos de ponta do mundo todo. Também se tornaram, gradualmente e a princípio com certa cautela, dependentes dos humores dos políticos em Washington.

Agora, esse acordo mutuamente benéfico começou a se desfazer. O presidente Donald Trump e muitos republicanos dizem que vão usar a ameaça de cortes profundos no financiamento para conter o ativismo progressista nos campi, que eles acreditam ter afastado as universidades de sua missão de educar e formar melhores cidadãos. Com a confiança na educação superior em declínio, Trump também acredita ter a opinião pública ao seu lado.

Mas, à medida que o governo começa a fazer cortes —incluindo o anúncio de que retiraria US$ 2,2 bilhões em subsídios da Universidade Harvard nesta semana—, o futuro da parceria que transformou a universidade de pesquisa americana no motor mundial da inovação científica está longe de ser certo.

As universidades americanas gastaram US$ 60 bilhões de dinheiro federal em pesquisa e desenvolvimento apenas no ano fiscal de 2023. Isso é mais de 30 vezes o valor gasto no início dos anos 1950, ajustado pela inflação, quando o sistema de universidades de pesquisa estava apenas começando a se desenvolver como a vasta indústria que é hoje.

A gênese do sistema que existe hoje foi a Segunda Guerra Mundial e a Grande Depressão —crises tão grandes que exigiram o tipo de investimento que só Washington poderia fazer.

No início, havia certa resistência ao financiamento de pesquisas acadêmicas em tão grande escala. Os republicanos contrários ao New Deal se opunham por princípio à expansão de um governo federal que já consideravam grande e poderoso demais. Mas a corrida para vencer os nazistas na construção da bomba atômica eliminou boa parte dessa relutância.

O Projeto Manhattan, o maior empreendimento de pesquisa da guerra, com custo de US$ 2 bilhões (mais de US$ 30 bilhões em valores atuais), surgiu de trabalhos conduzidos por cientistas de instituições como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, a Universidade Columbia e a Universidade de Chicago.

Após a guerra, congressistas em Washington estavam ansiosos para replicar a fórmula em outras áreas, como a medicina. Mas nem todos estavam confortáveis com a crescente dependência do dinheiro do governo. Cientistas temiam interferência de agências federais e a possibilidade de verem seus trabalhos comprometidos. Militares, por vezes, olhavam para a academia com desconfiança.

“Acho que a liberdade acadêmica naqueles dias era vista como talvez ameaçada por novas fontes de financiamento do governo —talvez de forma premonitória”, disse John Tomasi, presidente da Heterodox Academy, uma organização apartidária que promove a troca de pontos de vista diversos na academia.

Mas o dinheiro era difícil de resistir. O número de alunos explodiu em muitas instituições. Os corpos docentes dobraram e triplicaram de tamanho.

As universidades forneceram o capital humano e intelectual para alimentar algumas das iniciativas mais importantes da Guerra Fria, incluindo o desenvolvimento da bomba de hidrogênio —centenas de vezes mais poderosa do que a bomba de primeira geração do Projeto Manhattan— e a corrida espacial desencadeada quando a União Soviética lançou o Sputnik, o primeiro satélite artificial do mundo, em 1957.

Na década de 1960, o financiamento de pesquisas ainda se concentrava majoritariamente em um pequeno grupo de instituições de elite. Então, em 1965, o presidente Lyndon Johnson assinou um decreto para distribuir melhor os recursos.

A convulsão social da era da Guerra do Vietnã, porém, começou a mudar a percepção da academia para muitos americanos. Os protestos estudantis contra o conflito se tornaram extremamente impopulares.

A era de domínio republicano que se seguiu foi menos receptiva ao ensino superior. O financiamento de pesquisas estagnou à medida que políticos conservadores questionavam por que os contribuintes estavam subsidiando instituições que viam como focos de radicalismo antiamericano.

Mas uma reforma republicana ajudou a impulsionar um boom nas áreas emergentes da biomedicina, ciência da computação e engenharia. Em 1980, o Congresso alterou a lei para transferir os direitos de patente das pesquisas financiadas pelo Executivo das mãos do governo para as universidades.

A ideia era aplicar princípios de livre mercado ao setor de pesquisa acadêmica, permitindo que as universidades lucrassem com o licenciamento das inovações criadas em seus laboratórios. Isso levou a uma transformação, dando início ao que estudiosos chamam de era da “Big Science”.

Hoje, todo esse dinheiro tornou as universidades um alvo do governo Trump. Muitas das universidades que mais recebem financiamento federal para pesquisa e desenvolvimento estão entre dezenas de instituições sob investigação da gestão federal, devido à acusação de que não estão fazendo o suficiente para prevenir e punir o antissemitismo. Das 25 universidades que mais receberam recursos federais no ano fiscal de 2023, pelo menos 16 estão sendo investigadas.

As dez instituições sob foco adicional de uma força-tarefa governamental sobre antissemitismo gastaram, juntas, US$ 9,3 bilhões em recursos federais para pesquisa e desenvolvimento —cerca de 15% do total gasto por todas as universidades do país com esse tipo de repasse.

E o governo Trump não parece disposto a parar por aí. Embora as universidades da Ivy League (grupo de elite das instituições de ensino superior) estejam entre as mais afetadas, universidades públicas compõem cerca da metade da lista mais ampla de instituições sob análise. Estão incluídas a Universidade de Washington, a Universidade da Califórnia em San Diego e a Universidade de Michigan.

E todas têm muito dinheiro em jogo: cada uma gastou mais de US$ 1 bilhão em financiamento federal para pesquisa no ano fiscal de 2023.

Fonte: Folha de São Paulo

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