Parece surreal, mas as novas tarifas impostas por Donald Trump a praticamente todo o planeta devem se provar uma dádiva para a China. Longe de apenas prejudicar a economia chinesa, o protecionismo americano está abrindo uma oportunidade histórica para Pequim corrigir distorções internas, redesenhar alianças globais e fortalecer sua posição como potência emergente.
A retórica trumpista embala a estratégia em slogans nacionalistas e justifica tarifas de até 54% sobre produtos chineses como uma forma de proteger empregos e manufaturas americanas. Mas o efeito colateral já se impõe: enquanto o S&P 500 acumula quedas históricas e a confiança nos mercados recua, a China está encontrando espaço para reorganizar sua economia e ampliar sua influência diplomática.
É fato que o impacto imediato sobre as exportações chinesas será significativo. Com cerca de 20% do PIB ainda dependente do comércio exterior, o choque tarifário atinge um dos motores da atividade econômica do país.
Mas a China de 2025 não é mais a de 2018. Desde a primeira guerra comercial com Trump, Pequim diversificou cadeias produtivas, reduziu sua dependência de dólares para transações internacionais e avançou em setores estratégicos.
Enquanto isso, o protecionismo americano também provoca rachaduras entre seus aliados tradicionais. A União Europeia, pressionada por tarifas generalizadas, ensaia reaproximação econômica com a China, ainda que relutante. As conversas para revisar as barreiras a veículos elétricos mostram que, mesmo em meio a tensões políticas, a lógica do mercado fala mais alto. A fragmentação do eixo transatlântico, mais do que qualquer crescimento interno, é a principal vitória estratégica de Xi Jinping.
O enfraquecimento também se manifesta na Ásia. A reaproximação entre Japão e Coreia do Sul já começa a desmoronar. Afetados pelas tarifas e perplexos diante da instabilidade diplomática de Washington, japoneses e coreanos têm reavaliado prioridades estratégicas e chegaram a anunciar nesta semana que responderão de forma conjunta às taxas extras —uma derrota diplomática monumental que reverte um esforço significativo dos democratas para isolar Pequim.
No plano interno, Trump corre o risco de condenar a indústria americana a uma obsolescência acelerada. Ao encarecer veículos, eletrônicos e insumos industriais, as tarifas tornam a economia menos competitiva e menos inovadora.
Pequim não pretende (nem consegue) substituir Washington como “líder do mundo livre”, se é que isso ainda existe. Sua estratégia, já em curso, é mais sutil: sustentar a mensagem de que pretende ser o novo motor do multilateralismo, das tecnologias de transição climática e do comércio exterior.
Nada disso elimina os riscos para a China. A tentação de despejar excedentes industriais nos mercados externos pode gerar novos conflitos comerciais e aprofundar os receios de choque nas cadeias globais.
Mas a janela de oportunidade que Trump abriu é real e seu aproveitamento exigirá habilidade política. O paradoxo é inevitável: ao tentar conter a ascensão chinesa com tarifas improvisadas e isolamento diplomático, Trump pode ter acelerado exatamente aquilo que pretendia evitar.
Sua promessa de restaurar a grandeza americana corre o risco de ser lembrada, ironicamente, como o impulso decisivo para a consolidação da China como superpotência comercial.
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