A joia da coroa é Donald Trump, mas, em sua oitava viagem aos Estados Unidos desde que assumiu a Casa Rosada, o presidente argentino, Javier Milei, teve outro encontro muito aguardado: com Kristalina Georgieva, chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Milei está negociando um novo empréstimo com o organismo que tem na Argentina a sua maior devedora e espera que, neste retorno à Casa Branca, Trump o dê apoio para agilizar essa nova linha de crédito em torno de US$ 11 bilhões (R$ 66 bilhões).
Diante de todas as sinalizações que o FMI tem dado, as expectativas são altas em Buenos Aires, ainda que o encontro entre Milei e a búlgara Georgieva em Washington, na tarde deste domingo (19), seja somente mais um passo da negociação. Quando (e se) consolidado, esse seria o terceiro acordo argentino com o órgão em apenas sete anos.
Mas o seu contexto seria muito distinto e mais favorável ao país. Em 2018, quando o então presidente Mauricio Macri firmou o maior valor da história do fundo, US$ 50 bilhões, a forte desvalorização da moeda local, o peso, havia levado a uma crise inflacionária. Anos depois, em 2022, quando o peronista Alberto Fernández negociou o pagamento da dívida, o cenário macroeconômico tampouco era favorável.
Agora, sob a batuta de Milei, o economista ultraliberal com matizes de populista que assumiu a Presidência com a promessa de fazer “o maior ajuste econômico da história”, o peso argentino se fortaleceu mais do que qualquer outra moeda. A inflação mensal saiu de 25,5%, quando ele assumiu (dezembro de 2023) para 2,7 (dezembro passado).
O quadro macroeconômico rendeu a Milei um apoio expressivo entre a população —em torno de metade dos argentinos, a despeito da queda drástica no consumo e do aumento dos índices de pobreza— e, tão importante quanto, sorrisos e elogios do FMI.
Em junho passado, o órgão concluiu a oitava revisão do acordo vigente com Buenos Aires, quando o total desembolsado pelo fundo chegou a US$ 41 bilhões. Em comum acordo e devido à sintonia do fundo com o atual governo, decidiu-se pular as últimas duas revisões que faltavam.
Naquele ocasião, o FMI teceu seus até então mais expressivos elogios a Milei. Disse que o ajuste econômico colocado em prática era importante. Mas que era preciso melhorar a sua qualidade —leia-se, medidas para amortecer os efeitos para os mais pobres.
Desde então, o quadro ficou ainda mais colorido. Neste janeiro, foi tornado público a chamada avaliação “ex-post” que, por regra, o órgão faz para analisar o desempenho de programas de empréstimo quando estes são concluídos, uma espécie de revisão final —fundamental, portanto, para qualquer novo acordo.
O fundo diz no extenso documento diz que o governo anterior (de Alberto Fernández e Cristina Kirchner) “não contemplou um ajuste correspondente à magnitude dos problemas fiscais e da balança de pagamentos argentina”.
Segue: “A estratégia gradual de reforma em um pais cujo acesso aos mercados financeiros está severamente limitado, combinada com graves ‘choques’ adversos [pandemia e Guerra da Ucrânia] e a execução cada mais mais débil das políticas, produziu em 2022 e 2023 resultados muito inferiores aos previstos na data de aprovação do programa”.
Se sobram alfinetadas à gestão peronista, porém, para Milei restaram os louros. “Uma importante correção de rumo foi empreendida depois pelo governo de Javier Milei”, diz o organismo.
“Em especial a suspensão do financiamento monetário do orçamento, que ajudou a Argentina a evitar uma crise absoluta e dar passos importantes rumo à estabilização macroeconômica.”
O FMI lembra que a pobreza atingiu mais de metade da população argentina no primeiro semestre de 2024, mas diz que o governo tomou medidas para aumentar os benefícios sociais, mencionando programas de apoio a mães e crianças.
Dados oficiais mostram que os cortes de Milei reduziram em 45,6% as despesas com programas sociais. Houve cortes em todos, menos em um. O benefício universal por filho, dado a famílias com menores de 18 anos sem trabalho ou membros com trabalhos formais, cresceu 47%.
O mais recente informe da empresa privada Scentia, enviado nesta semana, mostra que o consumo na Argentina caiu quase 14% no ano passado em comparação com 2023, ainda que haja uma tendência moderada de recuperação que venha sendo notada desde outubro.
É incerto se Trump apoiará Milei em sua empreitada por um novo empréstimo com o FMI, mas até aqui os dois líderes vêm mostrando máxima sintonia.
O argentino afirma que o montante seria importante para ajudar o país em suas reservas e, assim, possibilitar o cumprimento de uma de suas maiores promessas de campanha: o fim do chamado “cepo”, o emaranhado de controles cambiais impostos no país que limita a compra de dólares, dificultando os investimentos e o comércio.
Em suas mais recentes estimativas divulgadas nesta semana, o FMI projetou que o PIB argentino cresça 5% neste ano, e o mesmo no ano seguinte. Em 2024, teria havido retração de 2,8%.
Ao sair do encontro com Milei em no domingo, Kristalina Georgieva deu a luz verde: “Vamos trabalhar com um novo programa, a equipe do fundo viaja a Buenos Aires na semana que vem e acredito que o resultado será uma Argentina mais próspera e dinâmica”, disse ela, segundo relato da correspondente do jornal Clarín no local.