O destino de um tipo de visto dos Estados Unidos está no centro de um racha entre aliados de Donald Trump. De um lado, estão os mais conservadores; de outro, Elon Musk e outros nomes do Vale do Silício. A disputa gera ainda apreensão entre imigrantes que estão em situação legal no país.
Trata-se do H1B, autorização dada a profissionais estrangeiros qualificados. Musk tem dado declarações em que defende que não haja restrição dessa permissão. O bilionário, nascido na África do Sul, recebeu exatamente esse tipo visto antes de virar cidadão americano.
As declarações têm provocado a ira de representantes do movimento Maga (sigla em inglês para “faça a América grandiosa novamente”). Um dos seus expoentes, Steve Bannon, fez duras críticas ao dono da Tesla nas últimas semanas por essas declarações. Para Bannon, não faz sentido defender os vistos H-1B em meio à bandeira anti-imigração de Trump.
O presidente eleito, que toma posse nesta segunda-feira (20), deu declarações em que parece concordar com Musk, mas há incertezas sobre o que virá. Esse tipo de visto é restrito, com limitação no que é fornecido anualmente —em 2024 foram concedidos 85 mil documentos nessa categoria.
A capixaba Cláudia (nome fictício) está concluindo o doutorado na Universidade de Michigan e faz parte de um grupo de estudantes em estado de alerta. Ela mora com o marido e a filha de 15 anos em East Lansing e pretende seguir trabalhando na área que estuda. Para fazer isso legalmente, porém, ela terá de solicitar um visto H1B.
Trump afirma que gostaria de restringir o acesso a essa autorização, como fez no primeiro mandato, porque, segundo ele, estrangeiros estariam tomando o emprego de americanos. Recentemente, porém, Musk —que investiu pesado na campanha do republicano e ganhou um cargo novíssimo no governo— defendeu que o visto não seja limitado. As empresas de Musk dependem desse talento que vem de fora.
Cláudia buscará essa permissão, mas diz não saber o que esperar. O caso é semelhante ao de Luana (nome fictício), doutoranda na mesma universidade, que já foi inclusive contratada para ser professora em uma faculdade na Flórida e só aguarda a apresentação da tese para solicitar o visto H1B.
Priscila Almeida, 32, mora em Arlington, na Virginia. A brasileira chegou há dez anos nos EUA como au pair (modalidade de intercâmbio em que jovens trabalham como cuidadores em troca de hospedagem) e decidiu ficar depois de conseguir se matricular na universidade.
Formada em instituição americana, foi contratada pela Amazon. Ela está em uma das várias categorias de visto nos EUA que dá permissão de trabalho temporária, vinculada ao visto de estudante. A autorização dela, no entanto, expira em julho, e ela não sabe se vai conseguir obter um novo visto, de mão de obra especializada.
“Todo ano eu tento. É uma loteria”, diz. “Fala-se muito das pessoas em situação irregular, mas acho que tem também um aspecto para o [imigrante] legal”, avalia. Ela diz esperar que a presença de Musk ao lado de Trump ajude a amenizar a situação, dada a sua defesa da manutenção do H1B.
Anna Paula Maia, 34, é assistente social e mora em Arlington há oito anos. Ela chegou aos EUA também para trabalhar como au pair e depois conseguiu emprego numa igreja na cidade. Hoje ela tem um visto religioso, ou seja, específico para trabalhar na instituição e, se deixar os EUA, precisa renovar a permissão para retornar ao país.
Apesar do tempo que está em solo americano, ela teme que Trump decida congelar a sua categoria e a obrigue a voltar ao Brasil. Isso a levou a adiar uma viagem que faria na semana que vem.
“Eu tinha uma viagem marcada ao Brasil para logo depois da posse e inclusive já tinha agendado uma entrevista no consulado americano para renovar o visto e voltar. Com a eleição, minha advogada me desaconselhou a ir pelo risco de não conseguir a autorização para retornar”, conta.
“É um visto que está sempre em risco de ser congelado, então sempre há a possibilidade que um dia ele [Trump] levante com o pé esquerdo”, diz.
Anna perdeu a viagem e relata que, além do medo, sente receio entre as pessoas da comunidade em que trabalha. Ela atua com organizações que lidam com refugiados e pessoas em busca de asilo. “Eles estão esperando o pior.”