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Comício mostra nuances entre os trumpistas que querem ganhar e os que querem se divertir – 19/09/2024 – Mundo

“Ei, mocinha! Você está fazendo lição de casa?!”, me perguntou um homem na fila para o comício de Donald Trump na região metropolitana de Nova York nesta terça (18).

Ele e outros três amigos, todos na faixa dos 40 anos, começaram a beber assim que chegaram, por volta das 11h. Até o horário em que finalmente entramos no estádio em Uniondale, por volta das 17h, eles estavam visivelmente –e sonoramente– alterados.

Compenetrada em um artigo no meu celular, sóbria e séria, eu realmente destoava do entorno. O comício de Trump é, para o grosso de seus apoiadores, como ir ao show de um ídolo pop: eles querem se divertir.

O barulho do grupo ofusca um outro tipo de apoiador do ex-presidente, menos estridente e mais pragmático. No evento de terça, as nuances entre trumpistas ficaram claras.

De um lado, rodinhas se formavam ao longo da fila entre desconhecidos em torno de fardos de cerveja e teorias da conspiração (de vacinas a Bill Gates), enquanto canetas vaporizadoras e balinhas de maconha circulavam.

A fila se anima cada vez que uma câmera se aproxima. “Lute! Lute! Lute!” é um dos gritos mais repetidos, em referência ao gesto de Trump após a tentativa de assassinato em julho.

“Eles ficam fazendo isso e parecem o 6 de Janeiro tudo de novo. Idiotas”, comenta um homem ao meu lado para dois amigos, que concordam.

Conforme avançamos em direção à revista de segurança, foi preciso desviar do rastro de cadeiras, coolers, garrafas e latinhas que ficou da passagem das cerca de 3.000 pessoas que estavam na nossa frente, segundo a estimativa de um policial.

Outros milhares vinham atrás de nós. Trump lotou o estádio Coliseu Memorial dos Veteranos de Nassau. Desde a piada de Barack Obama, o tamanho dos comícios tornou-se um tema especialmente sensível para o republicano. Nesta terça, ele disse que havia 19 mil pessoas ali, embora o local afirme que a capacidade máxima para um esquema de show é 16 mil.

Uma espécie de mini-praça de alimentação com food trucks, inclusive churrasco, foi montada nas proximidades da fila, assim como banquinhas vendendo todo tipo de bugiganga com o nome ou a cara de Trump. “Comigo não é made in China”, gritava um vendedor de bonés.

Dentro do ginásio, muita gente seguia o ritmo de fora tomando cerveja, comendo pizza e dando gargalhadas a cada tirada de Trump. “Hoje ele está com tudo!”, comentou a mulher ao meu lado, que reagia a quase tudo o que o candidato dizia.

Ela estava indignada com a projeção de que a eleição será apertada. “Olha o tanto de gente que tem aqui!”, disse pouco depois de chegar. “Uma pesquisa disse que estou 5 pontos na frente, mas acho que deveria ser 35”, afirmou Trump. “Sim, eu digo a mesma coisa, 35!”, completou minha vizinha.

Muitas pessoas com quem conversei estão, na contramão das pesquisas, confiantes em uma vitória folgada contra Kamala Harris e repetem as alegações infundadas de Trump de que democratas vão tentar fraudar o pleito explorando o voto de imigrantes. “Por que você acha que eles deixaram entrar tanta gente?”, me disse Leo Brito, 57.

O português vive há décadas nos EUA e apoia Trump desde que o empresário entrou para a política. Quando aponto que ele próprio é um imigrante, Brito responde que uma coisa é quem chega aos EUA respeitando as regras, outra é quem atravessa a fronteira.

Ao mesmo tempo, Brito está no grupo dos que reconhecem que o republicano perdeu o debate na semana passada. Ele fica exasperado especialmente ao relembrar as declarações mentirosas de que haitianos estariam comendo gatos e cachorros em Ohio.

Mas o grosso da fila teve uma reação muito diferente ao ver se aproximarem dois bonecos de papelão: uma versão hiper musculosa de Trump sem camisa com a tatuagem “defensor de pets” e um gato no ombro, e uma reprodução mais verossímil do empresário rodeado por bichinhos acompanhada pela frase “vidas de pets importam”.

Foi um frenesi geral para filmar e fotografar as alusões ao que se convencionou ter sido um dos piores momentos do debate para o republicano.

Outro motivo de comoção constante na fila era um homem usando uma camiseta branca com a frase “Tim dos absorventes” –apelido dado por Trump ao vice de Kamala que, como governador de Minnesota, determinou a distribuição gratuita do produto também em banheiros masculinos.

De tempos em tempos, um grupo –geralmente envolvendo o quarteto mais embriagado– repetia o grito de guerra, e o canto se espalhava, invariavelmente provocando risos ao redor.

Até que, em determinado momento, um homem comenta discretamente com outro: “mas dar absorvente de graça não é uma coisa… Boa?”

As nuances parecem ter desaparecido dentro do barulhento estádio. Antes de Trump, o nome mais aplaudido foi o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, que dedicou seu discurso a propagar a mentira de que a eleição de 2020 foi roubada e até a insinuar o envolvimento de democratas nas tentativas de assassinato sofridas pelo republicano.

Mas é realmente Trump quem exerce o comando total. Sua aparição faz todos os milhares de presentes ficarem de pé, aplaudirem e gritarem “eu te amo” como se estivessem diante de uma diva pop.

Quando Trump aponta para o cercadinho da imprensa no canto oposto ao de seu palco na quadra, afirmando tratar-se da “mídia fake news”, o estádio inteiro se volta na direção dos jornalistas com vaias, xingamentos e dedos em riste.

O empresário repetiu os eixos de sua campanha: melhorar a economia, fechar a fronteira e acabar com as guerras no mundo. O segundo ponto foi o melhor recebido. Gritos solitários de “mande-os de volta para casa” e “deporte todos eles” pipocavam sempre que Trump mencionava imigrantes.

Dessa vez o republicano não falou sobre pets em Ohio (embora tenha prometido visitar Springfield e deportar os haitianos legalmente nos EUA) e nem de Hannibal Lecter. O título de declaração estapafúrdia da noite ficou com sua explicação para o uso do termo “crise climática” em vez de aquecimento global”: porque o planeta está esfriando, disse ele. A ciência diz o contrário.

O comício acabou antes das 21h, após o empresário falar por cerca de 1h30. Enquanto Trump saía por uma espécie de passarela, uma música clássica era performada ao vivo.

Muitos assentos, porém, já estavam vazios. Nos 15 minutos finais do discurso, muita gente de fato saiu mais cedo –como cutucou Kamala no debate–, mas mais preocupada com o trânsito para sair dali do que por tédio, como disse a democrata.

Fonte: Folha de São Paulo

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