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Europa está perdendo sua propensão à nudez pública – 14/09/2024 – Mundo

O homem nasce nu, mas em todos os lugares ele está vestido. Bem, em quase todos os lugares. Visite uma sauna na Dinamarca, alguns parques públicos na Alemanha ou muitas praias na França. As roupas se tornam tão escassas quanto os funcionários de escritório no auge de agosto. Por mais mortificante que possa parecer para os que gostam de roupas, a Europa é o lar espiritual da nudez: um continente onde um número suficiente de pessoas (em alguns países mais do que em outros) fica feliz em mostrar suas partes íntimas em locais públicos, o que há muito tempo perdeu a capacidade de ofender.

No entanto, uma nuvem está pairando sobre aqueles que evitam trajes de banho. A nudez casual está sendo vítima do crescente pudor; as associações de nudismo estão perdendo membros em um ritmo que só é igual ao da igreja. Pior ainda, um hábito que se poderia preferir que fosse adotado pelos jovens está cada vez mais reservado aos idosos. A clientela cada vez menor de eventos de nudismo aponta para um continente mais fechado.

Os visitantes da Europa geralmente imaginam que a nudez pública seja um desdobramento de sua suposta licenciosidade: os frequentadores da praia começam a se despir juntos e depois acabam na cama uns dos outros. O que acontece é quase o oposto. Em contraste com os americanos, muitos europeus insistem que não há nada de sexual no corpo nu; ele é apenas erotizado por aqueles que escolhem olhá-lo dessa forma. Se todos concordarem, torna-se possível sair com colegas, amigos e sua sogra sem nenhum tipo de excitação.

Alguns ficam sem roupa em seu quintal. Outros preferem exibir sua flacidez mais publicamente: associações nacionais de pessoas que não gostam de roupas organizam de tudo, desde acampamentos nus até visitas a museus e torneios de petanca (um tipo de bocha). Os locais de nudismo exalam uma vibração descontraída em que as formalidades são evitadas juntamente com as roupas.

Talvez inesperadamente, é no norte da Europa, muitas vezes frio, que as roupas são opcionais com mais frequência. Poucos nos países nórdicos pensam duas vezes antes de tirar a roupa na companhia de estranhos, pelo menos do mesmo sexo. Leva-se semanas para convencer um finlandês taciturno a olhá-lo nos olhos, mas bastam algumas horas para que ele mostre seus órgãos genitais enquanto vocês suam juntos em uma sauna. Os sulistas são encontrados com menos frequência tirando as roupas, um legado das normas católicas.

Orgulhosamente sozinha no panteão do nudismo está a Alemanha. Um proeminente movimento de “cultura do corpo livre” surgiu lá no final do século 19, uma reação de retorno à natureza diante da sombria industrialização da época. O desejo de tirar a roupa tornou-se ainda mais forte na repressiva Alemanha Oriental, onde o nudismo oferecia uma rara forma aceitável de emancipação da autoridade do Estado comunista. As feministas americanas da década de 1960 desafiaram as normas sociais queimando sutiãs; as alemãs orientais buscaram a liberdade livrando-se do resto de seu guarda-roupa. Mesmo com o retorno da liberdade após 1989, as roupas muitas vezes não voltaram.

A disposição dos alemães de tirar a roupa ainda pode causar espanto. Em 2020, um banhista nu de meia-idade causou alvoroço na Internet depois que um vídeo se tornou viral, mostrando-o perseguindo um javali que havia fugido com uma bolsa contendo seu laptop em um parque de Berlim. Mas isso está se tornando mais raro. Em junho, a principal associação de nudismo cancelou as comemorações de seu 75º aniversário devido à falta de interesse. Com 34 mil membros, seu número caiu quase pela metade desde que comemorou seu 50º aniversário, o que levou o tabloide Bild a lamentar uma “crise de nudez na Alemanha”.

Na França, fazer topless na praia perdeu seu apelo, pelo menos para os praticantes. Em 1984, cerca de 43% das mulheres francesas adultas com menos de 50 anos haviam tirado os seios à mostra na praia; atualmente, esse número está abaixo de 20%. A prática é agora três vezes mais popular entre as pessoas com mais de 65 anos do que entre os jovens de 18 a 24 anos.

Três fatores são apontados como responsáveis pelo grande encobrimento europeu. O primeiro é a ascensão do Instagram e de outras mídias sociais, que exibem corpos perfeitos com os quais poucos de nós foram abençoados. “Há cada vez mais um medo de parecer defeituoso”, diz Maren Möhring, historiadora cultural da Universidade de Leipzig. “Os jovens, especialmente as mulheres, temem se expor.”

O segundo inibidor da nudez é a onipresença dos smartphones. Os espreitadores têm sido uma realidade incômoda em locais de nudismo desde que eles existem, mas a disseminação da fotografia digital aumentou os riscos de um banho de nudismo semiprivado se tornar algo muito mais público.

Em terceiro lugar, o aumento do turismo transfronteiriço e da migração significa que as praias, mesmo em áreas propícias ao nudismo, agora são frequentadas por muitas pessoas para as quais a prática continua sendo um tabu. Na França, o debate sobre roupas de praia tem se concentrado ultimamente nas mulheres de origem norte-africana que usam roupas demais —na forma de “burquínis” que cobrem todo o corpo— em vez de roupas de menos.

Este imperador não tem roupas

Se a nudez pública já foi um ato de emancipação desafiadora, há muito tempo perdeu sua força transgressora. Hoje em dia, na Europa liberal, vale mais ou menos tudo. Você pode se livrar do jugo sem também tirar a roupa íntima.

O que está se perdendo em um continente que havia dado as costas à nudez? Charlemagne [coluna da Economist dedicada à Europa] sentiu-se no dever de descobrir a verdade e a si mesmo no processo. Em uma recente viagem pela cidade de Raa, no oeste da Suécia, o colunista avistou um pedaço de praia reservado para aqueles que tomavam sol sem marcas de bronzeado. Deixando as inibições e a cueca de lado, juntou-se às massas sem roupa. Tomando cuidado para não ficar olhando, logo confirmou o ditado de que o problema com as praias de nudismo é que elas são frequentadas pelas pessoas erradas, incluindo o colunista.

Os frequentadores da praia com metade e (mais frequentemente) o dobro de sua idade estavam passando as férias, lendo um livro ou olhando para o estreito de Oresund. Surpreendentemente rápido a novidade da nudez acaba. Acontece que o problema de tomar banho nu não é tanto lidar com a autoconsciência, mas com os ventos frios da Escandinávia.

Fonte: Folha de São Paulo

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