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Opositores de Maduro asilados em embaixada vivem tensão – 21/08/2024 – Mundo

Todas as manhãs eles acordam e olham para as montanhas de Caracas, capital da Venezuela. Nos dias em que os protestos enchem as ruas, conseguem ouvir os cânticos. Mas sabem que se derem um passo para fora do complexo, podem ser presos.

Nos últimos cinco meses, os cinco principais assessores do partido da líder da oposição da Venezuela, María Corina Machado, têm vivido em uma residência diplomática argentina onde buscaram asilo depois que o procurador-geral do país anunciou mandados de prisão contra eles.

Foi dessa casa, situada entre as residências diplomáticas da Rússia e da Coreia do Norte, que os principais assessores de Machado conduziram uma das campanhas presidenciais mais importantes da história do país.

De alguma forma, apesar das restrições de liberdade, os cinco funcionários não só conseguiram ajudar a organizar uma campanha que levou milhões às urnas no dia da eleição, mas também mobilizaram milhares de fiscais para coletar as cédulas que poderiam provar que seu candidato havia vencido.

Seus esforços ajudaram os Estados Unidos a reconhecer o candidato da oposição, Edmundo González, como vencedor, enquanto muitos outros países se recusaram a reconhecer a reivindicação de vitória do ditador Nicolás Maduro. Apesar de tudo isso, o líder permanece no poder, e os cinco continuam presos dentro do complexo argentino. Eles aguardam permissão oficial para deixar o país.

Tudo começou em 20 de março, quando os dois principais líderes do partido de Machado, o Vente Venezuela, foram presos e enviados ao centro de detenção venezuelano conhecido como Helicoide. A campanha estava em alerta máximo havia meses.

Em outubro de 2023, Maduro havia aceitado realizar eleições livres como parte de um acordo com os EUA para suspender sanções devastadoras, mas os funcionários do regime vinham criando obstáculos desde então, incluindo a intimidação de políticos da oposição.

Naquele momento, alguns membros do grupo crítico à ditadura já haviam se escondido temporariamente, e a maioria vivia em estado de paranoia. Após as prisões de 20 de março, um funcionário da campanha da oposição, Pedro Urruchurtu, pensou que ele e outros colegas poderiam ser os próximos.

Rapidamente, então, entrou em contato com todos os seus contatos diplomáticos em busca de qualquer embaixada que lhes desse asilo. Um deles era o chefe adjunto da missão da embaixada da Argentina, Gabriel Volpi.

O plano já estava em ação quando o procurador-geral da Venezuela anunciou em uma entrevista coletiva que estava emitindo mandados de prisão para Urruchurtu e outros quatro funcionários da sigla opositora: Magalli Meda, Humberto Villalobos, Claudia Macero e Omar González. Ele também mencionou Fernando Martínez Mottola, assessor de uma coalizão de partidos de oposição.

Aqueles que estavam na capital, Caracas, imediatamente se esconderam, e Volpi enviou carros para levá-los à residência do embaixador, onde receberiam proteção do governo argentino —Buenos Aires não tem um embaixador na Venezuela.

Omar González, 74, que lidera o braço da campanha de Machado em seu estado natal, Anzoátegui, conta que estava prestes a embarcar em um avião rumo a Caracas para uma viagem de trabalho quando seu filho ligou para informá-lo sobre o mandado de prisão.

Ele diz que precisou tomar uma decisão em questão de segundos: sair do aeroporto ou embarcar no avião. González optou por manter seus planos de viagem, imaginando que seria menos reconhecível em Caracas. Após pousar, caminhou rapidamente pelo aeroporto, sem olhar para ninguém. Em seguida, entrou no primeiro táxi que viu. “Comece a dirigir”, disse ao motorista. “E então eu te direi para onde estamos indo.”

Dentro de 30 minutos, afirma, recebeu instruções para ir à residência argentina. Quando chegou, descobriu que alguns de seus colegas estavam lá. “Foi como se eu tivesse visto anjos”, conta ele.

Enquanto se acostumavam com suas novas vidas, o sentimento de alívio foi substituído por um senso de urgência. Ainda tinham uma campanha para administrar, então o tempo era preenchido com reuniões virtuais. Às vezes, dormiam apenas quatro horas por dia, à medida que a eleição de 28 de julho se aproximava.

Meda, braço direito de Machado que viajava ao lado da líder da oposição pelo país, agora fazia videochamadas em isolamento.

“Gosto do contato humano”, diz Meda. “Preciso trabalhar com equipes. Estou acostumada a tocá-los, a vê-los, a saber como se sentem. Às vezes realmente sinto que estou ficando surda por ficar com fones de ouvido o dia todo. Não é da minha natureza.”

Em entrevistas, os cinco funcionários da campanha disseram que se sentem sortudos por terem evitado por pouco o destino de seus colegas presos, mas descreveram viver em um estado de tensão e incerteza constantes, sabendo que a qualquer momento as circunstâncias podem mudar.

“É uma paisagem com a qual você cresceu, uma paisagem que de alguma forma você sabe que lhe pertence”, disse Urruchurtu. “Mas, ao mesmo tempo, o que te cansa é que você não pode ir além dela.”

Para Volpi e sua esposa, que viviam sozinhos com seus dois cachorros na residência de quase 4.000 metros quadrados, os solicitantes de asilo foram uma companhia bem-vinda. Os oito rapidamente se tornaram como uma família, diz ele.

Quando o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela proibiu Machado de concorrer, o partido de oposição apoiou um candidato desconhecido, um diplomata aposentado chamado Edmundo González, e convenceu sua base de eleitores a votar nele.

À medida que a votação se aproximava, eles observaram o regime de Maduro se esforçar ainda mais para minar a eleição, prendendo não apenas ativistas e políticos, mas também donos de hotéis e restaurantes que ofereciam serviços para a campanha da oposição.

Finalmente, na noite da eleição, eles viram Maduro declarar vitória, mas não apresentar nenhuma evidência para apoiar a afirmação. Contagens coletadas por observadores eleitorais mostraram que, na verdade, González havia vencido —e por uma grande margem. “Movemos um país inteiro para tomar decisões em uma única direção e com uma única agenda”, diz Meda.

Na noite após a eleição, policiais venezuelanos apareceram do lado de fora da residência argentina. Os funcionários da campanha passaram três noites observando pelas janelas enquanto agentes com coletes à prova de balas e máscaras faciais montavam guarda do lado de fora, às vezes balançando algemas, dizem eles.

Meda afirma que essas três noites “tiraram anos” de sua vida.

Em 1º de agosto, Maduro ordenou que os diplomatas argentinos deixassem o país e o Brasil assumiu a responsabilidade pela embaixada e pelos solicitantes de asilo. A polícia, então, retirou-se.

Desde então, os líderes da oposição observam como o regime venezuelano desencadeia uma onda de repressão contra qualquer pessoa que desafie os resultados declarados. Grupos de direitos humanos dizem que é mais brutal do que qualquer coisa que o país tenha visto em décadas.

“São noites muito longas de grande dor”, diz Meda. “É uma loucura o que está acontecendo.”

Fonte: Folha de São Paulo

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